Em ofício à FUNAI, Associação dos Povos Yanomami denuncia trabalho em condições de escravidão

Foto: Site CIMI

Por Liana Melo/Colabora – Em ofício encaminhado ao presidente da Funai, em 4 de fevereiro último, a Associação dos Povos Yanomami de Roraima (Hwenama) denuncia a “arregimentação de homens adultos para o trabalho na extração de ouro, em condições análogas a de escravo, o que leva ao abandono das roças e das atividades de caça e pesca. Em paralelo, os garimpeiros promovem a prostituição de mulheres e crianças, em troca de alimentos“. Confira!

Ofício n°020/2019 – HAPYR.

Boa Vista, 04 de fevereiro de 2019.

 

A Vossa Excelência,

Franklimberg de Freitas

Presidente da Funai.

Assunto: Denúncia da presença do garimpo na TI-Yanomami na região do Parima.

A Hwenama – Associação dos Povos Yanomami de Roraima vem respeitosamente, à Vossa Excelência, denunciar que a presença crescente, permanente e ostensiva de centenas de garimpeiros na região do Parima está criando uma situação de insegurança que inviabiliza a assistência à saúde à população da região. O caos social provocado pelo garimpo põe em risco até mesmo a própria existência das comunidades yanomami. Os homens adultos são arregimentados para o trabalho de extração do ouro, em condições análogas a de escravo, o que leva ao abandono das roças e das atividades de caça e pesca. O resultado disso é uma aguda escassez de alimentos e um quadro de fome sem precedentes, que tem levado a população ao desespero.

Além disso, aproveitando-se desta situação, o garimpo promove a prostituição das mulheres e crianças, em troca de alimento. As mulheres e jovens yanomami que engravidam e têm filhos retornam à comunidade, tendo que se sustentar sozinhas, sem o apoio de um marido ou da família, agravando ainda mais a situação. Sem falar na transmissão de doenças sexualmente transmissíveis. Soma-se a este caos social o desastre ecológico produzido pela destruição da floresta, do assoreamento do rio e poluição da água com o uso do mercúrio, fato constatado pelo estudo conduzido pela Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz), divulgado no final do mês de março de 2016.

O contexto do alcoolismo, conflito e violência fazem parte do dia a dia e tem tornado inviável o trabalho de Assistência à Saúde desta população. Neste quadro caótico, não há condição alguma de se levar adiante os programas de atenção básica, como campanhas de vacinação, pré-natal, busca-ativa e tratamento dos casos de malária etc. Os procedimentos não são realizados ou os tratamentos são abandonados, visto que a continuidade e acompanhamento são inviabilizados pela participação dos pacientes nas atividades do garimpo.

Soma-se a isto, o fato de que os próprios garimpeiros alteram a rotina da saúde indígena, pois demandam eles também atendimento e assistência de maneira permanente. Virtualmente, a população assistida pelo Polo Base é multiplicada por dois, com a consequente demanda de medicamentos, equipamentos e insumos. Calcula-se que cerca de 600 garimpeiros atuem hoje nas seis balsas e escavações para extração do ouro existentes no percurso de 5 km entre o posto de saúde e a comunidade Xaruna, situada rio abaixo.

Registre-se também o grande número de armas de fogo, o que potencializa os conflitos entre os Yanomami, nos quais a equipe de saúde é também envolvida: por pelo menos três vezes, ela teve que deixar a região às pressas por motivo de segurança. Os profissionais da saúde passam a sofrer uma enorme pressão para fornecer alimentação à população que não tem o que comer. São numerosos os atendimentos a casos de desnutrição grave entre crianças e idosos nas comunidades de Parima e Wanapiki.

Diante do exposto solicitamos que as autoridades e poderes competentes tomem medidas concretas e imediatas para por fim a esta situação de desastre em que se encontra o povo Yanomami. 

Junior Hekurari Yanomami

Presidente da HWENAMA

Associação dos Povos Yanomami de Roraima – HAPYR


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