Servidores públicos criam frente para combater ataques do governo gaúcho

No dia do professor, educadores e servidores públicos estaduais se unem contra mudanças estruturais proposta por Leite

Fabiana Reinholz

Brasil de Fato | Porto Alegre (RS)

 

Mesmo sob chuva, mais de 1.500 educadores e educadoras de todo o Rio Grande do Sul, assim como cerca 2 mil servidores do Judiciário e demais servidores públicos, lotaram a Praça da Matriz, que em seu entorno abarca os três poderes, no centro de Porto Alegre, na manha de terça-feira (17). A intensa mobilização dos servidores, feita com faixas e apitaços, é uma resposta à minuta da proposta estrutural do Estado apresentada no início da manhã pelo governador Eduardo Leite (PSDB).

Com 116 páginas, o projeto do governador traz, entre seus pontos, a alteração do plano de carreira do magistério, alteração no regime previdenciário do funcionalismo público estadual, assim como uma redução dos salários, devido ao aumento da alíquota previdenciária, inclusive dos aposentados. Para os representantes sindicais, o projeto é nocivo ao serviço e aos servidores públicos.

Durante a manhã os educadores instalaram o Acampamento da Resistência em frente ao Palácio Piratini, que permanecerá até o final do ano. Os 42 núcleos do Centro dos Professores do Estado do Rio Grande do Sul (CPERS) irão se revezar na manutenção e condução das atividades do acampamento, que será ocupado também por outras categorias do funcionalismo.

Funcionalismo sob ataque

Pessoas adoentadas, endividadas, que para poder sobreviver estão recorrendo a empréstimos para locomoção e até para comer. Esse é o quadro da situação dos servidores públicos estaduais. A constatação é feita pela presidente do CPERS, Helenir Aguiar Schürer, e pela presidenta do Sindicato dos Servidores Públicos do Estado do Rio Grande do Sul, SINDSEPE/RS, Diva Luciana da Costa.

“Leite quer destruir a carreira do professor, taxar aposentados, punir funcionários de escola, retirar direitos e reduzir ainda mais nosso salário. Quer sacrificar o futuro do estado em nome de um eterno ajuste fiscal que não produziu qualquer resultado positivo em cinco anos de arrocho. Quem, como Leite, está a serviço deste projeto, não está a serviço do Rio Grande do Sul”, ressaltou Helenir.

Para Diva, a situação dos servidores do Estado é lamentável, além dos salários atrasados, estão há cinco anos sem reposição, sem aumento real. “Temos servidores atolados em dívida. Temos servidores que tem os mais baixos salários, servidores que recebem vencimento básico inferior ao salário mínimo, e além de não recebê-los em dia tem que ficar comprando o salário no banco”, relatou.

Como saídas à crise atual, Diva aponta a busca de recurso na Lei Kandir, rever as isenções fiscais, as sonegações de impostos, a busca de investimento por parte do governador ao Estado. “Ele não pode atrelar a vinda de investimento à assinatura ao regimento de recuperação fiscal, esse de fato é um mito. A gente tem uma agricultura familiar forte, servidores públicos qualificados que podem investir em pesquisa, com trabalho bem qualificado”, sentenciou.

 

Greve do Judiciário

Por sua vez, os servidores do Judiciário, em assembleia geral realizada nessa terça-feira (15), decidiram manter a greve iniciada há 21 dias. Concentrados em frente ao prédio II do Foro Central, com apitos e guarda-chuvas decorados, os manifestantes chamavam os colegas que ainda estavam trabalhando para juntarem-se ao movimento.

De acordo com Fabiano Zalazar, coordenador geral do Sindicato dos Servidores da Justiça do Rio Grande do Sul (Sindjus/RS), a categoria vem enfrentando muitas dificuldades no tocante a propostas concretas por parte da administração do tribunal de justiça. “Lutamos contra a extinção de cargos, como o de oficial escrevente; a equiparação do auxílio refeição com o valor que os juízes recebem, que é o dobro do que os servidores recebem; assim como a luta pela elaboração do plano de carreira, o único estado que não possui plano de carreira é o RS”, disse.

“Vamos combater a proposta do governador e vamos estar junto na resistência, na luta, junto com as outras categorias”, afirmou. Outro ponto decidido na assembleia geral foi a realização de encontros regionais nos próximos dias com a presença da direção do Sindjus/RS, para avaliar a greve e debater os próximos passos do movimento.

Situação dos educadores

No início da tarde, a direção central do CPERS concedeu uma coletiva de imprensa onde foi entregue um documento com os principais contrapontos do projeto e de como eles afetarão a categoria. Entre os apontamentos estão a imposição de reajuste zero por tempo indeterminado, a destruição do Plano de Carreira, o achatamento da progressão, o confisco de recursos de aposentados para a Previdência, a retirada de direitos como os triênios e os ataques à organização sindical.

“Queremos chamar atenção sobre o achatamento da carreira proposta pelo governo. Talvez essa seja historicamente a proposta que apresenta o maior achatamento no nosso plano de carreira. Em comparação as propostas feitas nos três governos anteriores a esse, essa é a mais nefasta, nociva, com um arrocho quase inacreditável”, frisou.

Ainda sobre o plano de carreira, a dirigente lembra a palavra do governador dizendo que ia mexer no plano para tornar a carreira mais atrativa. “Pergunto a vocês: qual a atração de um professor se qualificar, fazer pós-graduação, mestrado, doutorado, e saber que a diferença do salário será de 7%?” indagou.

Segundo o CPERS, a proposta apresentada pelo governador prevê uma diferença do salário básico entre o topo e o início da carreira de apenas 52%. No Plano atual de Carreira do Magistério é de 200%. Para efeitos comparativos, o CPERS traz dados dos Estados como Paraná, apontado pelo governador como semelhante ao Rio Grande do Sul, onde a diferença entre o topo e o início da carreira é de 364%. O texto ainda traz dados de Minas Gerais, Ceará e São Paulo, onde as diferenças são 291%, 266% e 183% respectivamente.

Dia do professor, um projeto tão amargo

“Parece deboche, usar o dia do professor pra começar a pagar o salário do mês que mais atrasou, e apresentar essa proposta que é uma proposta de morte. Já tivemos pessoas que não aguentaram e se foram, neste ano já temos mais dois casos, e parece que o governo aposta na desistência”, comentou Helenir.

Para ela o projeto apresentado é uma forma extremamente desumana de fazer caixa para o Estado, “O arrocho que está sendo proposto não se compara a nenhum outro estado do Brasil. E não se compara a Estados que tem a mesma crise financeira que nós vivenciamos. Jamais digam que o governador Leite pagou o piso para o magistério, porque não é verdade. Quem vai pagar o seu próprio piso é o próprio professor”, sublinhou.

Ainda de acordo com Helenir, a proposta do governo é que a categoria continue com o mesmo salário por 10 anos. Nas modificações da Previdência estadual, aponta que aqueles que ganham menos serão os que mais vão pagar. “Quem ganha menos será penalizado pelas alterações e quem ganha mais terá alívio financeiro”, expõe o documento do CPERS. Sobre os aposentados, a proposta do governo diz que quem recebe a partir de um salário mínimo passará a contribuir.

A presidente ressaltou que os ataques à aposentadoria ocorrem em todas as esferas. “É um ataque duplo, que vem do governo Federal e do governo do Estado. É o Bolsonaro lá e o Leite aqui, os dois atacando ao mesmo tempo”.

Segundo informou Helenir, o governo do Estado estabeleceu o prazo de até o próximo dia 21 para que se apresente uma contraproposta ao projeto que afeta os trabalhadores da educação. “ Nós chamamos o nosso Conselho Geral onde vamos estudar a possibilidade de apresentarmos alguma emenda e tentarmos uma audiência com o governo. Ele determinou que até o dia 21 ele aceita conversar sobre isso”, explicou.

Após o anúncio dos projetos por parte do governador, a categoria decidiu que, se a proposta não for profundamente modificada, os trabalhadores da educação estadual entrarão em greve 72 horas depois que o governo Leite protocolar oficialmente os projetos. Caso não ocorram mudanças nas propostas de Leite, a presidente afirmou que o Sindicato entrará na Justiça para reverter as propostas que são inconstitucionais.

Frente Servidores públicos

Diante dos ataques advindos das três esferas governamentais, Federal, Estadual e Municipal, movimentos sindicais lançaram uma Frente em defesa do serviço público. Até o momento, a Frente conta com 12 sindicatos. O lançamento foi feito após coletiva do CPERS.

Para Diva, os ataques ao serviço público estão se dando em todas as esferas e em muitos estados. “Com a eleição do governo Bolsonaro, os ataques ao serviço público e aos servidores, por consequência, foram ampliados. Então, é um momento bem importante de unidade dos servidores”, apontou.

Erico Correa, presidente do SindiCaixa, também destacou a importância da construção da frente. “O serviço público está sendo atacado em todas as esferas. Aqui no Estado, especialmente, é muito importante que a população não esqueça que o governador Eduardo Leite ataca de uma forma quase mortal os direitos dos servidores, e pior do que tudo, conta com redução de salário dos aposentados. É luta por direitos e o cumprimento da palavra empenhada, e essa frente vai lutar por isso”, afirmou.

Maria Helena de Oliveira, representando a direção do Sindicato dos Empregados em Empresas de Assessoramento, Perícias, Informações e Fundações Estaduais do Rio Grande do Sul (Semapi), lembrou o que foi feito no governo de José Ivo Sartori (PMDB), onde cinco fundações foram extintas, mas que com a luta e a unidade, conseguiram manter todos os trabalhadores das fundações. “Tudo aquilo que foi dito do Sartori nós comprovamos, de que era simplesmente para vender os terrenos e não os serviços, porque perdemos receita. O que o governo Leite está propondo nessa reestruturação é também a parceria público privada para as administrações, indiretas, isso não traz recurso para o Estado, simplesmente perderemos receita. Estamos aqui todos novamente unidos no sentido de enfrentarmos esses projetos que estão vindo”, assegurou.

Assim como apontado por Maria, o presidente da Associação dos Fiscais Agropecuários do Rio Grande do Sul (Afagro), Antonio Augusto Rosa Medeiros, disse que a entidade está compondo a Frente para ampliar a defesa do serviço público. “Não podemos mais uma vez aguentar a mesma política e a mesma lógica. O governador Eduardo Leite na campanha disse que não era para cortar investimentos, que tinha que aumentar a receita, mas ele vem com a mesma lógica e com a mesma política do governo anterior. A Frente vai trabalhar unida em defesa do serviço público, porque mais uma vez essa narrativa é posta por governos sucessivos que atacam o serviço público por intermédio do servidor”, afirmou.

Thomas Vieira, coordenador geral do Sindicato dos Servidores da Defensoria Pública do Rio Grande do Sul (SINDPERS), disse que quando se fala em serviço público, “estamos falando exatamente do professor que educa o filho, a filha, do atendente que faz o atendimento no posto de saúde, dos profissionais que atendem nos balcões na defensoria pública, que por sinal tem seus vencimentos bastante abaixo dos de outras carreiras análogas dentro do sistema de justiça. Não é uma luta meramente classista, é a defesa da manutenção desse serviço enquanto públicos, essa frente é fundamental nessa luta, por um estado forte e eficiente”, destacou.

De acordo com Fabiano Zalazar, o judiciário faz parte da Frente juntamente com as demais categorias dos servidores públicos, ainda mais diante da ameaça de corte de ponto e com o pacote de retirada de ainda mais direitos. “É um cenário de precarização de desvalorização do serviço público e dos servidores públicos que estamos enfrentando. Por isso a importância dessa frente”, ressaltou.

As entidades que integram a Frente dos Servidores Públicos: 

ADUFRGS-Sindical

Associação dos Fiscais Agropecuários do Rio Grande do Sul (Afagro)

Associação dos Servidores da UFRGS e UFSCPA (Assufrgs)

Ceape – Sindicato de Auditores Públicos Externos do Tribunal de Contas do Estado,

Centro dos Professores do Estado do Rio Grande do Sul (CPERS)

SEMAPI – Sindicato dos Empregados em Empresas de Assessoramento, Perícias, Informações e Fundações Estaduais do Rio Grande do Sul

Sindicato dos Servidores do Ministério Público do Rio Grande do Sul (SIMPE-RS)

Sindicato Nacional dos Servidores Federais da Educação Básica, Profissional e Tecnológica (SINASEFE) Sindicato dos Servidores da Caixa Econômica Estadual do Rio Grande do Sul (SINDICAIXA)

Sindicato dos Servidores da Justiça do Rio Grande do Sul (Sindjus/RS)

Sindicato dos Servidores da Defensoria Pública do Rio Grande do Sul (SINDPERS)

Sindicato dos Servidores Públicos do Rio Grande do Sul (SINDSEPE/RS)

SINTERGS – Sindicato dos Servidores de Nível Superior do Poder Executivo do Estado do Rio Grande do Sul

Sindicato dos Professores do Ensino Privado do Rio Grande do Sul (SINPRO/RS)

Sindicato dos agentes da polícia civil do Rio Grande do Sul (UGEIRM) 

Assista à cobertura feita pela Rede Soberania no ato da Matriz

 


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