Reitor da UFRGS fala sobre o corte de recursos e os atos pela educação pública
Para Rui Vicente Oppermann, bloqueio de recursos tem fundo ideológico e defesa da educação pede ampla unidade
Numa clara chantagem com os reitores, o governo Bolsonaro (PSL) bloqueia 30% dos recursos das Instituições Superiores de Ensino. O próprio ministro da Educação, Abraham Weintraub, disse no Senado que se a reforma da Previdência for aprovada, voltam os recursos. Em reunião com a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), o ministro chegou a apresentar um documento para o presidente da entidade assinar se declarando a favor da reforma.
Nesta quinta (30), data em que estudantes e apoiadores saem às ruas em todo o país para defender a educação, publicamos uma entrevista com reitor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Rui Vicente Oppermann. Ele fala sobre os impactos do bloqueio de recursos na Universidade, o ataque ideológico e a necessidade de uma ampla unidade em defesa da educação pública. Leia na íntegra:
Brasil de Fato RS: Gostaria que o senhor nos falasse sobre os impactos que esses cortes anunciados pelo Ministério da Educação (MEC) trarão a UFRGS.
Rui Vicente Oppermann: De fato, esse é o tema do momento. Primeiramente, uma questão que eu acho que é técnica, apenas para gente esclarecer, nós ainda não estamos considerando como corte. Estamos aceitando inicialmente a palavra contingenciamento, embora, depois das reuniões no pleno da Andifes, na semana passada, hoje fica muito claro que houve foi um bloqueio.
A diferença de corte, bloqueio e contingenciamento, eu não ouso entrar em muitos detalhes. Basicamente, o bloqueio é quando nós não temos acesso a nossa previsão orçamentária. enquanto que contingenciamento, nós teríamos em tela nosso orçamento e poderíamos eventualmente buscar alternativas com o MEC, negociando alguns aspectos do contingenciado. O bloqueio impede essa negociação porque nós não temos acesso formal ao orçamento. Então, como isso está acontecendo, de fato, fica muito claro que qualquer negociação com o MEC tem que ser a partir da abertura formal do nosso orçamento bloqueado para que a gente possa então ver se há algum espaço. Muito embora eu acho que não há essa possibilidade tão claramente, ou tão certamente, porque o MEC, seja o ministro, seja o secretário da educação superior, eles tem sido muito claros na mensagem que eles dão, de que qualquer negociação dessa natureza vai depender da aprovação da reforma previdenciária, e vai depender do aumento da arrecadação do governo federal. O aumento da arrecadação federal não está acontecendo, muito pelo contrário, o Produto Interno Bruto (PIB) está diminuindo. Isso é preocupante para todos nós, e a reforma previdenciária, nós nem sabemos exatamente que reforma é essa. Pessoalmente, eu acho muito pouco provável, se alguma reforma for aprovada, que ela vá redundar em aumento de arrecadação tão imediato que permita que a gente não tenha os reflexos do bloqueio já incidente sobre universidade em setembro agora desse ano.
BdFRS: E o que isso representaria?
Rui: Bom, isso representaria menos 30% no nosso custeio, o que é, no fundo, uma situação inédita para universidade. Há um discurso real de que contingenciamentos sempre aconteceram, e de fato, desde que eu estou aqui como vice-reitor, houve contingenciamento durante o período do Lula, houve contingenciamento durante o período da Dilma, mas eram realidades completamente diferentes, em vários sentidos. O contingenciamento nessa época do Reuni, por exemplo, era um contingenciamento em uma época de expansão e ele era sempre precedido de uma explicação técnica do Ministério da Educação na Andifes, porque e o que iria ser contingenciado e até quando seria contingenciado, e nós tínhamos ali a oportunidade de colocar o que nós não podíamos contingenciar, isso sempre foi respeitado. Então, nesse sentido, hoje é uma situação completamente diferente. Primeiro porque o bloqueio levou os recursos, nós não fomos informados previamente do bloqueio, e nem temos a possibilidade de apontar, não nos foi possibilitado apontar que itens do bloqueio nós precisaríamos que fossem flexibilizados para não chegar à situação que irá se criar em setembro, se o bloqueio persistir.
Outro aspecto que eu acho muito importante colocar é que, diferentemente da época do presidente Lula e da presidente Dilma, nós hoje estamos sob a égide, o vigor, da Emenda Constitucional 95, a famigerada lei do teto. Então, na famigerada lei do teto, você trabalhar com essa questão é completamente diferente porque a margem de negociação eventualmente existente, ainda que nesse caso nem exista, mas que haveria, é muito pequena. É muito pequena porque nós estamos vendo que todo aquele estudo, todas aquelas previsões que nós fizemos durante a discussão da então emenda no Congresso, em que nós dizíamos que a emenda levaria rapidamente a um achatamento do orçamento federal, não só as universidades, mas o serviço público federal, e que isso implicaria em uma decisão terrível que é o fato de que aquele teto, ele vai gradualmente ser ocupado com a despesa de pessoal, em detrimento dos investimentos em custeio e capital, e é exatamente isso que está acontecendo.
Nós estamos ai com uma previsão de comprometimento na universidade, com 92% do nosso orçamento para pagamento de pessoal. Evidentemente que nós não podemos mexer nisso, esse orçamento para pessoal, ele é um orçamento que é administrado pelo governo federal, pelo hoje Ministério da Economia. Então, esse é um orçamento que a gente não mexe, resta-nos os 8%, hoje contingenciados. É uma situação completamente diferente do que era no passado, quando a gente tinha mais flexibilidade de negociação entre as universidades e o governo federal.
Respondendo a tua pergunta, nós não temos uma perspectiva muito positiva do que se pode fazer, porque qualquer medida de economia que se faça, por mais que ela seja de grande impacto e volume, nós dificilmente vamos alcançar o que está bloqueado. Se não houver o desbloqueio, o descontingenciamento, a universidade vai entrar em uma situação em que nós teremos que optar por algumas coisas a não pagar. Aliás, nós já estamos nessa situação, não por causa do bloqueio, mas por causa da emenda do teto.
No começo do ano, o professor Hélio Henkin, que é o nosso pró-reitor de planejamento, e eu fomos à Brasília ainda quando o Vélez (Vélez Rodríguez) era ministro, e colocamos a nossa previsão de que, com os efeitos da Emenda Constitucional do teto e o orçamento que nós tínhamos recebido, nós não teríamos suficiente recurso para prover o custeio da universidade até o fim do ano. Ou seja, já tínhamos avisado que não chegaríamos no final do ano. Por que? Porque desde três, quatro anos – na verdade a redução do orçamento começou em 2014 – mas a partir de 2017, nós temos tido sempre o mesmo orçamento. O mesmo orçamento, com as despesas e o custo da universidade aumentando, é muito claro, logo se vê que vai faltar dinheiro. E essas contas a pagar estão aumentando em proporção cada vez maior de ano para ano. A nossa previsão para o então ministro Vélez, não foi ele que nos recebeu diga-se de passagem, mas para o ministério então, foi que em dezembro de 2019 nós chegaríamos com um volume muito grande de contas a pagar, para o qual não teríamos recurso, e já antecipávamos que precisaríamos de recursos suplementares. Isso antes do bloqueio.
BdFRS: Isso é uma realidade das universidades no Brasil?
Rui: No Brasil como um todo. O que está acontecendo agora, esse mês nós noticiamos, não conseguimos integralizar a conta de energia elétrica, não foi por conta do bloqueio, isso foi exatamente por conta do achatamento do orçamento na emenda constitucional. Então são dois problemas que nós temos agora, temos os efeitos da emenda do teto, que congela o orçamento e não corrige de acordo com o custo inflacionário das universidades, e temos o contingenciamento que simplesmente não nos coloca nenhuma perspectiva de recurso até setembro. A nossa previsão é que a universidade chegará, em dezembro, nessa situação, com restos a pagar, a pagar com um volume muito grande partindo do pressuposto que todo mundo continue prestando serviço para nós. Esse também é um problema que a gente não sabe o que vai acontecer.
Teve uma deputada no Congresso que comunicou ao ministro que a UFRGS já não tinha mais pago a conta de setembro, e a resposta dele foi: “ah, não pagou? Então apaga a luz”.
BdFRS: A questão financeira é uma das formas de, digamos, atacar as universidades e a educação pública, mas os ataques estão vindo também de outras formas, como, por exemplo, o decreto (Decreto 9794) que interfere na autonomia universitária em relação a nomeação de diretores, pró-reitores, assim como dos próprios reitores, que eles não estão querendo aceitar a lista tríplice. E também ataques ideológicos que vem, que falam do Marxismo Cultural, os pelados, a balbúrdia, as universidades sofrendo ataque de fake news. Como o senhor avalia as universidades dentro dessa conjuntura?
Rui: Naturalmente, como reitor, eu trabalho muito com a questão orçamentária, porque essa é minha responsabilidade como reitor, de buscar soluções orçamentárias para a universidade. Mas é evidente que a preocupação política é muito grande e nós temos nos mobilizado de forma muito clara juntamente com a Andifes nesse sentido. Isto é, nós estamos buscando colocar para a comunidade, para a sociedade a situação política absurda em que nós nos encontramos. No dia 15, tivemos essa grande demonstração que a sociedade se juntou a nós, os estudantes, os técnicos, os professores, em uma demonstração pacífica, contrária à política atual que o MEC tem tentado impor às universidades. E é claro que ai existe uma situação muito complicada, porque esses movimentos ideológicos por parte do governo vêm junto com essas ações por via de decretos, bloqueios. Para mim, numa clara demonstração de que há uma concertação em cada uma dessas coisas, elas não são feitas isoladamente.
Existe um plano geral, que é o plano de debilitar o sistema federal de ensino, de educação, e de criar constrangimentos para a universidade e, com isso, de certa forma, questionar a universidade enquanto instituição, tentar jogar a sociedade contra as universidades. Então, quando se fala em balbúrdia, quando se fala que as universidades públicas não produzem pesquisa, quando falam que tem sem-terra, como se isso fosse um problema, quando na verdade eu acho uma qualidade ter sem-terra no campus, quando falam que as universidades privada são mais eficientes que as universidades públicas, quando jogam o ensino superior contra o ensino básico, que é um horror, tudo isso tem uma concertação juntamente com o resto. Na verdade, são várias ações que eles estão tomando contrárias a universidade, e contra todas elas nós estamos nos colocando.
A questão dos decretos, principalmente o decreto que fere a autonomia no sentido das nomeações, porque esse é um decreto absolutamente inconstitucional, na nossa avaliação na Andifes, se tem um que é facilmente derrubado é esse, porque ele claramente vai de encontro do que está estabelecido no artigo 207 da Constituição que nos confere autonomia. E além do que, dentro do arrazoado que nós fizemos para que se busque essa ação de inconstitucionalidade no Supremo, isso está sendo feito pela Andifes, ficou exatamente assim, de que não é possível uma universidade, uma reitoria, uma direção de unidade acadêmica, ter uma equipe de trabalho que não seja nomeada, não seja escolhida pelo dirigente máximo, no caso reitor, os dirigentes das unidades acadêmicas. O decreto tem um grande agravante, na minha opinião, muito perigoso, que é a questão que a vida pregressa será analisada pela Agência Brasileira de Informação. Isso remonta a época da ditadura, quando nós tínhamos que tirar atestado de bons antecedentes no DOPS (Departamento de Ordem Política e Social).
Na verdade, isso é colocado, eles imaginam que vão provocar uma reação, e nós temos que politicamente trabalhar contra, derrubando o que é inconstitucional, e eu tenho certeza que esse é um decreto que vai ser derrubado. Há outros que nos preocupam muito, por exemplo, a questão das FGs (Funções Gratificadas), reduziram as nossa FGs, aqui na universidade mais de 300 estão para ser eliminadas. E qual é a importância da FG? A FG em si, ou essas FGs de seis, sete, cinco, quatro, são FGs pequenas, são as funções de chefia. O problema é que as FGs são usadas para que você tenha estrutura vertical na hierarquia da universidade, então, uma chefe de biblioteca ganha uma FG, e a FG é ínfima, mas ela tem atribuição do cargo, então a ela é dada possibilidade de gerir ou administrar a biblioteca, de avaliar os colegas no sentido de progressão, enfim. Isso tudo, sem as FGs, nós perdemos. Então isso também é um ataque à estrutura da universidade, e de novo, o que digo, há uma concertação desses ataques para desestabilizar a estrutura hierárquica, a estrutura administrativa, a autonomia e o orçamento da universidade, e é um ataque certamente ideológico, não há dúvida nenhuma.
BdFRS: E contrapondo esse discurso de que o ensino privado é melhor que o público, a UFRGS está no ranking das melhores universidades do país e uma das melhores da América Latina.
Rui: Sob o ponto de vista acadêmico, se você pegar todos os rankings e principalmente todos os instrumentos avaliativos do próprio MEC, e vou me valer do IGC (Índice Geral de Cursos), como é que o MEC nos avalia? O MEC nos avalia através do IGC, que é um conjunto de avaliações que vão desde o ENADE, da perfomnace do estudante, dos docentes, dos técnicos, dos cursos de graduação, pós-graduação, não é um ranking, ele é uma avaliação institucional. E a nossa avaliação institucional entre os melhores colocados é feita entre todas as instituições públicas e privadas, são mais de três mil instituições avaliadas. Vai olhar lá, as públicas estão presentes nas primeiras posições desde sempre, e a UFRGS está, pelo sétimo ano consecutivo como a melhor federal no IGC.
Esse aspecto não pode ser ignorado, temos usado isso como contra-argumento a essa questão das privadas serem mais eficientes que as públicas, mas a visão deles é mais uma visão OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), uma visão Banco Mundial, em que o que eles entendem por eficiência é uma eficiência contábil, como se na eficiência contábil formar um dentista em uma rede privada fosse mais barato que formar um dentista em uma rede pública federal. Nós temos vários estudos, tem o professor Nelson Cardoso Amaral, que trabalha pela Universidade Federal Goiás, que fez um belíssimo trabalho. Ele mostrou no seminário da Andifes/Abruem/Conif que nós fizemos lá em Brasília que se você usar os critérios adequados para fazer esse comparativo, o ensino privado é muito mais caro que o público, o que você tem que olhar é como você faz essa avaliação. Você não pode colocar, por exemplo, o ministro ainda faz, que é pura e simplesmente pegar a seguinte conta: o orçamento da UFRGS é tanto, quantos alunos a UFRGS forma… divide um pelo outro, esse é o custo do aluno. Isso é uma conta de matemática absolutamente fora da realidade de uma avaliação de uma instituição federal, de uma instituição de ensino. Então você tem que tirar os aposentados, você tem que olhar o que é em termos de infraestrutura dedicada ao ensino propriamente dito, quantos professores dedicam de horas a ensino, quanto pesquisa, quanto de extensão. Ainda que seja a mesma coisa, mas nas privadas o cálculo é pelo ensino, pela hora/aula. Eu tenho dito, eu não quero fazer cálculos hora/aula. O fato é que se você começar olhar pelos instrumentos deles, você vai ver que nós temos menores custos que a rede privada.
De qualquer maneira, e isso a gente tem também denunciado muito, é fato que há um avanço muito grande da rede mercantilista de educação superior. Essa é uma questão que denunciamos juntamente com o reitor Roberto Leher (UFRJ) tanto na Conferência Regional de Educação Superior, como nos seminários que temos feito aqui da Andifes/Abruem/Conif. Primeiramente, essa rede mercantilista, ela tem no lucro a sua principal finalidade. Um absurdo, educação é um direito social. Em segundo, que temos que ter um certo cuidado quando a gente diz que a educação é um direito da população, um dever do Estado, porque eles também concordam com a gente, porque lógico, aqui no Brasil as redes mercantilistas têm um verdadeiro capitalismo selvagem, eles tem subsídios que recebem via Prouni, via financiamento do FIES, que são subsídios, renúncias fiscais do governo, e colocam como se isso fosse privado. Então eles usam esse recurso, tem lucros com isso, distribuem lucros a seus acionistas aqui e fora do Brasil, e vem dizer que o ensino público é caro. Então assim, se quer ser capitalista de verdade, não aceite o subsídio federal, não aceite, faça de acordo como é o capitalismo, você abre seu negócio e vê consegue se instalar no seu negócio. Agora não pode ficar parasitariamente utilizando subsídios federais que são do povo brasileiro para dar lucro a brasileiros e estrangeiros que compõe esse fundo. Esse é o verdadeiro legado absurdo do governo Fernando Henrique, quando foi permitida a instalação de instituições públicas mercantis no país. O Brasil é um dos únicos países, nem os Estados Unidos tem isso.
BdFRS: Lembrando ainda o governo Fernando Henrique Cardoso, aquele foi um momento que tivemos uma grande unidade da comunidade universitária em defesa da autonomia universitária. Na sua avaliação o que precisamos, nesse momento, para não deixar acabarem com a universidade.
Rui: Eu volto a mencionar o dia 15, e também teremos a manifestação do dia 30, que eu acho que é o resgate de algo que foi muito presente naquela época. Eu estava na universidade, lutava contra o sucateamento da universidade, e, claro, eram outros momentos, outras histórias. Mas o fato é que no dia 15 encontrei aqui, no Campus Central, uma comunidade enorme de pessoas, velhos amigos, encontrei surpresas que eu não imaginaria que estivessem conosco, abraçamos o campus central. E o que o vejo, existe uma unidade muito grande da comunidade interna e da sociedade, reconhecimento, nós fomos abraçando. Aqui passaram carros, pelo menos enquanto eu estava ali ninguém nos vaiou, pelo contrário, todo mundo buzinava. Passou um ônibus, o motorista do ônibus buzinou, todos os passageiros acenaram, faziam sinal de positivo. Há sim um reconhecimento das universidades como patrimônio da sociedade e esse é o melhor aspecto que eu imagino da defesa porque, como é que eu vejo a questão desse e de qualquer outro governo, enquanto sindicato reclama, os reitores reclamam, eles tem uma resiliência. Quando o povo vai à rua fazer a defesa da universidade, ele se preocupa muito, porque é uma voz que se eles não ouvirem, podem ter grandes problemas. Então sim, é muito importante essa unidade que estamos tendo nesse momento, assim como tínhamos no tempo do Fernando Henrique.
Edição: Marcelo Ferreira
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