Pena de morte! Quilombolas do Maranhão denunciam o Incra

Por Emilio Azevedo*

O tema da reforma agrária não tem sido tratado, como deveria, no atual debate eleitoral vivenciado no Brasil. Fala-se do combate a violência urbana, de tráfico de drogas, sem buscar as raízes do problema, entre eles o inchaço das grandes cidades. Em muitas regiões do país, isso ainda é muito provocado pela migração de zonas rurais, dominadas pelo agronegócio e pela grilagem de terras, um velho crime social cometido com a conivência do estado brasileiro.

O exemplo disso pode ser visto no Maranhão. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), aproximadamente um milhão de maranhense vivem fora, em outras regiões. Isso num estado que tem hoje aproximadamente sete milhões de habitantes. Parte desse processo migratório ocorre por conta de um modelo econômico que concentra terra e não cria alternativas de trabalho.

Exatamente por conta dessa questão, no último dia 17 de setembro, na cidade de São Luís do Maranhão, a sede da Superintendência Regional do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) foi ocupada por um grupo de aproximadamente duzentos trabalhadores rurais, todos eles de comunidades quilombolas. A pauta da ocupação é exatamente a luta pela titulação da terra onde eles vivem e trabalham.

A ocupação foi organizada pelo Movimento dos Quilombolas do Maranhão (Moquibom), que se articula com a Teia de Povos e Comunidades Tradicionais do estado. Eles querem a titulação de 72 território quilombolas, prometida num acordo feito entre o Incra e o Moquibom, ainda em 2015, quando o movimento ocupou este mesmo prédio, em São Luís.

Por esse acordo, os Relatórios Técnicos de Identificação e Delimitação (RTID) estariam concluídos em agosto deste ano de 2018. O RTID são fundamentais para titulação dos territórios. Segundo o Moquibom, nenhum desses relatórios foi concluído. E em vário desses territórios o clima é tenso, com conflitos instalados e ameaças de morte. “É uma promessa de três anos e que nunca foi cumprida, por conta do mais absoluto descaso”, diz Naildo Braga, um dos coordenadores do Moquibom.

Segundo Gil Quilombola, outro coordenador do Moquibom, “em mais de um terço desses territórios o Incra nem começou o processo que dá origem aos RTDI”. Em alguns deles, segundo o mesmo Gil, uma liderança que já sofreu várias ameaças, “o ambiente é de medo e existe o risco de despejo por conta de ações de reintegração de posse dada pelo Poder Judiciário a favor de fazendeiros e contra os quilombolas”.

Sem acordo!

Na ocupação iniciada no dia 17 de setembro, os quilombolas fecharam o prédio e impediram os funcionários de entrar. Após dois dias de ocupação, houve uma reunião entre representantes do Incra e do Moquibom, mediada pela Defensoria Pública e da qual participaram representantes do movimento de quebradeiras de coco (que foram dar apoio aos quilombolas), da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil no Maranhão (OAB-MA).

Ao final dessa reunião, não houve acordo e os quilombolas resolveram continuar acampados. O Incra propôs levar seis dirigentes do Moquibom a Brasília para discutir o problema. Essa proposta não agradou e o Movimento propôs que o presidente nacional do Incra venha ao Maranhão.

O Moquibom foi criado em 2009 e, a partir de 2011, começou a ocupar a sede do Incra, em São Luís, em mobilizações onde houve até greves de fome. Em um dos casos, um grevista morreu algumas semanas depois, em decorrência do protesto. Ao longo desse processo dramático, quando acaba uma dessas ocupações, eles dizem que não encerram o acampamento, apenas suspendem temporariamente, pois quando sente a necessidade de voltar, eles voltam.

Segundo sucessivos relatórios da Comissão Pastoral da Terra (CPT), o Maranhão é hoje o estado brasileiro com maior quantidade de conflitos agrários. Em 2016, a CPT registrou 194 conflitos, espalhados em 75 municípios, com mais de 30 mil famílias afetadas, inclusive com 13 mortes de camponeses, por conta dos conflitos.

Hoje, no Incra, existem mais de 400 pedidos para titulação de território quilombolas, sendo que o setor que trata disso tem apenas quatro funcionários, situação que revela o desinteresse do Estado em agir em favor desses camponeses. O latifúndio avança, por conta da morosidade premeditada.

E hoje, quando o Brasil se prepara para escolher um novo presidente da republica, tem gente que ainda sente saudade da institucionalização da tortura, pedindo a implantação da pena de morte no país. Não basta de violência?

*Emilio Azevedo é do Jornal Vias de Fato (MA), da Rádio Tambor e colaborador do Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC).


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