Para obter permissão de explorar ouro no Pará, mineradora expõe dados contraditórios
Catarina Barbosa/Brasil de Fato | Altamira (PA) – O Projeto Volta Grande, da mineradora canadense Belo Sun, pretende instalar a maior mina de ouro do Brasil, no coração da Amazônia. Como parte do processo para conquistar a licença de instalação – concedida pela Secretaria de Meio Ambiente do Pará (Semas) em 2017, mas atualmente suspensa pela Justiça –, a multinacional elaborou dois documentos para as autoridades e comunidades atingidas. Tratam-se do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e do Relatório de Impacto Ambiental (RIMA).
Contudo, um terceiro documento, divulgado em 2015, chamado Estudo de Viabilidade do Projeto Volta Grande e destinado a investidores, apresenta números bem diferentes.
A principal disparidade é quanto ao volume de rejeitos produzidos e a capacidade desses reservatórios. O fato preocupa a comunidade envolvida, porque o Brasil tem em sua história dois recentes crimes ambientais envolvendo barragens: Mariana, em novembro de 2015; e Brumadinho, em janeiro deste ano.
Qual o tamanho do impacto?
A mineradora Belo Sun afirma no EIA/Rima, elaborado pela empresa Brandt Meio Ambiente Ltda, em 2012, que produzirá 25,5 milhões de metros cúbicos de rejeitos. No estudo de viabilidade, porém, esse número praticamente quadruplica e salta para 92 milhões de m³.
Já a capacidade do reservatório projetada pula de 41,9 milhões de metros cúbicos no EIA/Rima para 116 milhões de m³ no estudo de viabilidade.
O estudo de viabilidade foi elaborado por consultores de dezesseis empresas. Uma delas é a VogBr, indiciada pelo Ministério Público Federal (MPF) e pela Polícia de Minas Gerais (MG) como uma das responsáveis pela barragem de Fundão, em Mariana.
::Na Amazônia, atingidos por Belo Monte resistem à maior mina de ouro do Brasil::
Jackson Dias, da coordenação nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), diz que o fato das informações divergirem é intencional por parte de Belo Sun:
—O EIA/RIMA trata de uma limitação da extração de ouro, limitada a 50 toneladas em 12 anos. O estudo de viabilidade amplia essa reserva de ouro para quase 108 toneladas e o período de extração para 17 anos. O EIA/RIMA é um documento que está em português e é obrigatório a empresa apresentar para as comunidades atingidas. Então, ela sempre vai apresentar um volume menor de ouro e um período menor de extração, porque aí você produz menos rejeitos e menos estéril. Os dois estudos são para alvos diferentes: o EIA/RIMA é para as comunidades afetadas e o estudo de viabilidade ele é para os acionistas para dizer aqui tem muito ouro e vamos minerar por mais tempo —, explica.
A reportagem do Brasil de Fato entrou em contato com a assessoria da Belo Sun para esclarecer os dados, mas fomos indicados a consultar o blog do Projeto Volta Grande, no qual não constam informações do Estudo de Viabilidade, disponível apenas em inglês no site da mineradora canadense.
O EIA/RIMA, por sua vez, pode ser baixado no próprio site da Secretaria de Meio Ambiente do Pará (Semas), que concedeu em maio de 2017, licença de instalação para a mineradora. A autorização foi suspensa sete meses depois, pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) por tempo indeterminado.
No site do Projeto Volta Grande, a Belo Sun diz que o tempo de extração mineral na Volta Grande do Xingu será de 12 anos. No EIA/RIMA, diz-se que serão 11 anos e, no Estudo de Viabilidade, esse número salta para 18 anos.
A extração de ouro no EIA/RIMA aponta o volume de 5 toneladas de ouro por ano, em duas cavas: Ouro Verde e Grota Seca. A vida útil da Ouro Verde seria de cinco anos e a da Grota Seca, de 7 anos, totalizando 11 anos de mineração.
A Semas confirmou em nota que emitiu licença prévia em 2014 para a mineradora e que a licença de instalação estava suspensa. Disse ainda que duas audiências públicas foram realizadas sobre o empreendimento e que a secretaria promoveu oficinas para as comunidades direta e indiretamente afetadas. A última, de 2017, teria contado com a participação de 1.200 moradores dos municípios de Senador José Porfírio, Altamira e comunidades das Vilas da Ressaca, Galo, Ilha da Fazenda e Itata, outros na região Xingu.
Segundo a Semas, na ocasião os moradores foram ouvidos e trouxeram sugestões ao órgão. A audiência teve participação do Ministério Público Federal, Defensoria Pública Estadual, IBAMA, Ordem dos Advogados do Brasil, Federação das Indústrias do Pará (Fiepa) todos convidados pelo Estado.
Jackson Dias, lembra que o evento foi feito antes da Semas liberar a licença de instalação.
“Foi no início de 2017, mais ou menos 10 dias antes da Semas liberar a licença de instalação. Eles fizeram um grande evento na sede do município com vários órgãos e políticos. Por isso que eles falam que juntaram 1200 moradores, mas não foi tudo isso, até porque não tem esse número de pessoas morando na comunidade. Mas eles fizeram uma grande atividade lá justamente para criar um ambiente para liberação da licença”, afirma.
O solo rico dos garimpeiros artesanais
Quem caminha pelas ruas da comunidade da Vila da Ressaca, em Senador José Porfírio, onde Belo Sun quer se instalar, não tem dimensão da riqueza escondida em seu subsolo.
Segundo dados de um relatório apresentado pela empresa em 2017, intitulado Developing an Open Pir Gold Project in Brazil (Desenvolvento um Projeto de Mineração de Ouro a Céu Aberto no Brasil), a multinacional já conseguiu comprovar a existência 44,85 toneladas de ouro no subsolo da Volta Grande e especula que mais 78,96 existam na área do projeto.
Ou seja, a reserva é superior a 100 toneladas de ouro.
Mas as casas da Vila da Ressaca e a simplicidade dos moradores não condizem com o seu cobiçado solo. Com residências feitas com tábuas de madeira e comércio modesto, as pessoas são hospitaleiras e simples. As atividades econômicas da cidade são o garimpo, a pesca e a roça.
Os dois últimos sofreram grande redução com a perda de vazão do rio por conta da usina hidrelétrica de Belo Monte. O primeiro é taxado agora como atividade ilegal.
Aos 32 anos, Ideglan Cunha, é uma das pessoas que extrai ouro artesanalmente da região – atividade considerada ilegal. Ele nasceu dentro da Serra Pelada, um dos garimpos mais conhecidos do Brasil, que levou mais de 10 mil pessoas para Curionópolis, no sudeste do estado do Pará, na década de 1980, atrás de ouro.
Filho de garimpeiros, Ideglan conta que não se imagina fazendo outra coisa e que não é por falta de estudos, reforça. O garimpeiro tem o ensino médio e alguns cursos, mas prefere trabalhar na busca do ouro, segundo ele, porque ama o ofício.
O local onde ele trabalha hoje é onde Belo Sun pretende instalar a mina Grota Seca. O garimpeiro conta que já foram extraídos cerca de 80 quilos de ouro do local.
Antes, a extração era feita com explosivos em grutas. Hoje, eles reviram terra com a ajuda de uma máquina chamada de “chupadeira”. No local onde funciona o garimpo há quatro máquinas e 25 pessoas trabalhando.
Os garimpeiros trabalham, no mínimo, oito horas por dia no local e a máquina faz tanto barulho que mal se pode ouvir o que o outro fala no local.
O cano de plástico da chupadeira fica acoplado a uma máquina, que suga a terra. Ele é colocado na entrada da cava onde hoje os garimpeiros estão trabalhando. A terra sugada é filtrada.
O outro que for encontrado é enviado para um reservatório. Só então, ele é retirado para ser queimado com um maçarico. Esta etapa, para Ideglan, é comparável à magia, “porque um ouro procura o outro para ficarem unidos”.
Ele faz questão de dizer que não utiliza mais mercúrio no processo de extração do ouro. “Não se usa mais há tempos. Mas claro que há garimpeiros e garimpeiros. Os que têm consciência não usam mais o mercúrio”, afirma.
Cooperativa
Ideglan é membro da Cooperativa de garimpeiros da Volta Grande, que nasceu em 2006 para dar conta das ameaças que os moradores passaram a sofrer com a chegada da empresa canadense. Segundo ele, quem deveria ser chamado de ilegal é Belo Sun e não os garimpeiros.
A gente tá aqui nessa área da Grota Seca há 25 anos e estamos nos sentindo ameaçados por uma empresa canadense que está chegando de forma ilegal e tentando nos oprimir dentro da nossa legalidade”.
A cooperativa tenta desde 2013, sem sucesso,reaver a permissão de lavra garimpeira vencida naquele ano.
—Eu cheguei aqui com cinco anos de idade. Todo tempo o meu pai sempre trabalhou nessa terra. Aí a empresa chegou aqui dentro e deixou a gente vulnerável. Entraram com toda uma legislação e uma legalidade ilegal, porque isso aqui é dos brasileiros e somos nós que estamos aqui dentro. É riqueza contra a pobreza. Nós estamos do lado que não temos estrutura, dinheiro e conhecimento. Então, ficamos com medo e fomos orientados por pessoas competentes do MAB, do Movimento Xingu Vivo e desde 2008, a nossa cooperativa está andando de Brasília a Santarém e Belém e não querem dar os documentos para nos legalizar, depois ficam dizendo que somos ilegais. A gente quer contribuir, a gente é renda desse país — afirma.
Trabalhadores do garimpo e novos empregos
O Estudo de Viabilidade entregue aos acionistas aponta que ela começou com a colonização portuguesa, no século XVII.
O documento afirma que no Rio Xingu, a mineração se intensificou no século XX e desde 1950, “garimpeiros irregulares trabalham na área do projeto em pequenos depósitos”.
Sempre que cita os trabalhadores do garimpo, a nomenclatura reforça a ilegalidade. Quando reconhece a presença de pequenos assentamentos dentro do que considera ser de propriedade de Belo Sun, incluindo a Vila de Ressaca e a Vila de Itatá, diz-se: “ambos são predominantemente habitados por garimpeiros irregulares que realizam atividades ilegais de mineração na propriedade”.
Quanto aos empregos, Belo Sun divulga, oficialmente, que vai gerar durante a implantação, 2.100 novos postos de trabalho. Mas o estudo de viabilidade fala em somente 87 funcionários atuando na primeira fase. Na segunda fase, a ocupação média esperada será de 150 pessoas. Sobre o trabalho desempenhado nas minas, o documento aponta que serão 47 funcionários até o ano três, quando é concluída a primeira fase do projeto. Após o ano 12, a equipe será reduzida. Isso em regime de trabalho de 12 horas por dia.
A mão-de-obra especializada do projeto se divide nas seguintes áreas: gerenciamento, operações, metalurgia, laboratório e manutenção com um custo anual de US$ 2,36 milhões.
De fato, as informações apresentadas divergem substancialmente, mas o retorno financeiro para investidores é assegurado a partir de 3 anos e 9 meses da implantação e o lucro estimado é de R$ 3,3 bilhões.
Edição: Rodrigo Chagas
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