Para juristas, decisão que considera greve dos petroleiros ilegal é anti-democrática

Em decisão monocrática publicada na noite desta segunda-feira (17), Ives Gandra, do Tribunal Superior do Trabalho (TST) classificou a greve dos petroleiros como ilegal. A decisão foi considerada ilegal por juristas, uma vez que a greve ainda está para ser julgada, e não pode, portanto, ser condenada por um único magistrado.

Trabalhadores de diversos pontos do país se juntaram, na última terça, em ato contra as demissões. Ontem, os funcionários da empresa de fertilizantes Araucária Nitrogenados conseguiram suspender as demissões até março. Foto: Amanda Soares

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

De acordo com o ministro, a paralisação que chega ao seu 18º dia nesta terça-feira (18) faz “exercício abusivo e ilegal do direito de greve” e possui “motivação política”.

Gandra também autorizou a Petrobras a adotar as “medidas administrativas cabíveis” para cumprimento da decisão, “inclusive com a convocação dos empregados que não atenderem ao comando judicial, com a aplicação de eventuais sanções disciplinares”.

“[A paralisação] desrespeita ostensivamente a lei de greve e as ordens judiciais de atendimento às necessidades inadiáveis da população em seus percentuais mínimos de manutenção de trabalhadores em atividade”, escreveu o ministro.

A Federação Única dos Petroleiros (FUP), por sua vez, afirmou que irá recorrer da decisão e que a orientação é que os petroleiros mantenham a greve. A articulação conta com a participação de 21 mil trabalhadores e 120 unidades do Sistema Petrobras paralisadas.

Na avaliação de Nuredin Ahmad Allan, jurista que atua na área do Direito do Trabalho, a decisão é temerária e viola o direito de greve estabelecido pela Constituição Federal a partir da Lei nº 7.783/89.

“Infelizmente o TST tem sido, na maioria das vezes, bastante conservador, tentando limitar o exercício de greve. A decisão do Ives é anti-democrática, porque o direito de greve é um direito de manifestação. Corrobora uma posição que é muito particular do ministro, que é a de tentar esvaziar o direto de greve por meio de uma decisão judicial”, comenta Allan, também integrante da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD).

No despacho, Gandra argumenta que a paralisação dos petroleiros causa “prejuízos incomensuráveis” à sociedade e cita duas ordens judiciais anteriores que fixaram o percentual mínimo de 90% de trabalhadores em atividade durante a paralisação.

Nuredin Allan explica que, de acordo com o previsto pela Lei de Greve, categorias envolvidas em atividades consideradas essenciais de fato deve manter um percentual de trabalhadores atuando durante greves.

Para o jurista, entretanto, o estipulado por Ives Gandra é abusivo. “A interpretação que ele faz do contingente necessário acaba esvaziando a greve. Quando se entende que 90% do seu efetivo precisa estar trabalhando em uma greve, não há greve. Essa posição está na contramão do que seria a possibilidade do exercício da greve.”

Em nota, a ABJD manifestou seu “profundo desacordo” com o que considera uma “guinada antidemocrática de setores do Poder Judiciário”, espelhada nas posições do ministro do TST e de Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF). Na semana passada, o ministro do Supremo confirmou a determinação do TST para que 90% dos petroleiros trabalhem durante a greve.

“A falta de compreensão acerca dos valores democráticos e o desrespeito às garantias e aos direitos fundamentais, reiteradamente consagrados pela OIT (Organização Internacional do Trabalho) e pela Constituição Federal de 1988, assentados nos entendimentos isolados de dois ministros integrantes de Cortes que deveriam primar pelas suas preservações e defesas, apenas corroboram com a fragilização institucional do sistema de justiça”, diz o texto.

Segundo José Eymard Loguércio, advogado especialista em direito coletivo do trabalho, decisões individuais como as dos ministros do TST e do Supremo não são comuns.

“Em geral se faz exames de abusividade ou de ilegalidade de greve em colegiado, depois de examinar e de dar prazos para a outra parte, e não unilateralmente. É com bastante estranheza que se recebe sempre uma decisão antecipada de um juiz, seja ele quem for, declarando uma abusividade ou ilegalidade prévia de uma greve”, analisa.

Ausência de diálogo

A paralisação da categoria acontece em resposta ao fechamento da Fábrica de Fertilizantes Nitrogenados do Paraná (Farfen-PR) e a consequente demissão de mil trabalhadores.

O movimento exige a revisão das demissões e denuncia que a Petrobras não cumpriu o Acordo Coletivo de Trabalho (ACT), que, conforme grifa Loguércio, foi celebrado perante o próprio TST.

Ele ressalta a necessidade de estabelecer uma negociação coletiva que resolva a questão que deu origem à greve, postura que não vem sendo adotada pela Petrobras nem pelo Judiciário.

“A decisão do ministro impõe unilateralmente aos trabalhadores, a consequência da greve. É uma decisão fora de medida porque não estabelece nenhuma condição para a empresa. É como se a greve decorresse de um capricho dos trabalhadores, quando não é. A greve tem origem em um problema que afeta, no caso, mil trabalhadores que serão dispensados, além de outros trabalhadores que estariam sofrendo alteração de turnos e outras medidas unilaterais sem negociação coletiva”, afirma.

No novo despacho, o ministro manteve as multas diárias de R$250 mil a R$500 mil a depender do porte do sindicato em questão, além do bloqueio de contas e retenção de repasse de mensalidades associativas.

Nuredin Allan corrobora a critica à atuação do TST e a amplia para o próprio Ives Gandra, conhecido por seus posicionamentos conservadores. Ele é assertivo ao avaliar que o despacho que declara ilegalidade da greve dos petroleiros é um “ato obscurantista”.

“O Judiciário deve ter uma postura mais conciliatória e menos imperativa em prol, nesse caso, do poder econômico. As decisões do Ives são sempre nesse sentido”, diz o jurista.

Os argumentos do ministro são risíveis e parte de posicionamentos pessoais, compreensão de mundo que ele tem, desapegado de tudo aquilo que se conhece sobre direito de greve, históricos e propósitos de greve. Essa decisão tem cunho claramente político e não jurídico.”

Em posicionamento divulgado após a decisão do TST, a FUP argumentou ainda que o ministro em questão poderia ter pautado a greve dos petroleiros na sessão desta segunda (17) ou aguardar o julgamento designado para 9 de março, mas optou por atender o pedido da Petrobras.

A FUP diz ainda que qualquer decisão sobre a greve será deliberada coletivamente em assembleias previamente convocadas para deliberação das entidades.

Petrobras

Petroleiro uniformizado em frente ao prédio sede da Petrobrás em ato contra o desmonte da empresa pública | Foto: Amanda Soares

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Por meio de nota Petrobras informa que notificou as entidades sindicais da decisão e aguarda que todos os empregados retornem às suas atribuições imediatamente.

A empresa afirma que não houve impactos na produção de petróleo e de
combustíveis decorrentes da greve e que tem mantido  a  produção por meio da atuação de equipes de contingência e de empregados que não aderiram ao movimento. “A produção diária e os estoques de combustíveis garantem a oferta ao mercado e afastam a possibilidade de desabastecimento”, diz a nota enviada pela Petrobras.

Segundo a empresa, as equipes de contingência são formadas por trabalhadores da Petrobras e profissionais temporários ou empresas contratadas, conforme autorização da Justiça.

“Esses profissionais são treinados para operar os ativos da companhia em condições especiais como é o caso da equipe de contingência. Eles cumprem carga horária diferenciada da que é normalmente aplicada nas plataformas e nos regimes de turno das refinarias, mantendo-se, pelo menos, 12 horas diárias de descanso”, afirma em nota a Petrobras.
Lu Sudré

Brasil de Fato | São Paulo (SP) 

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