Operação identifica 13 trabalhadores em condições semelhantes à escravidão no MS
Eles foram encontrados em situação degradante, sem banheiro ou água tratada.
Treze trabalhadores de origens brasileira e paraguaia foram resgatados de condições análogas às de escravo após atuação conjunta do Ministério Público do Trabalho (MPT), Superintendência Regional do Trabalho e Polícia Militar Ambiental (PMA) em fazendas nos municípios de Caracol e Bela Vista, sudoeste de Mato Grosso do Sul. Um deles estava há 11 anos trabalhando na propriedade rural.
Em Caracol, as irregularidades identificadas na fazenda Rodoserv IV, do empregador Amarildo Martini – sócio de grupo empresarial que conta com postos de alimentação, serviços e combustíveis em rodovias – apontam para graves violações de direitos humanos, inclusive com possíveis desdobramentos criminais.
Conforme relatório elaborado pela assessoria pericial do MPT, que acompanhou o flagrante, os trabalhadores recrutados para a construção de cercas eram submetidos a situações degradantes de higiene, acomodação, alimentação e segurança. No precário alojamento não havia iluminação, os colchões eram sustentados por tocos de árvores ou tijolos e eles tinham que fazer suas necessidades fisiológicas no mato. A água utilizada para consumo, banho e preparo de alimentos era colhida de um córrego próximo à propriedade rural, por meio de recipiente antes usado no acondicionamento de defensivos agrícolas. Os empregados também executavam suas atividades laborais sem o uso de equipamento de proteção individual.
Além das quatro pessoas encontradas na operação ocorrida em 2 de outubro, outros dois trabalhadores ainda atuavam na fazenda Rodoserv IV, na produção e manutenção de cercas. A propriedade rural é utilizada para a criação de gados.
Em audiência realizada, no dia 4 de outubro, na sede do MPT em Campo Grande, o procurador Paulo Douglas Almeida de Moraes propôs aos representantes do empregador o pagamento das verbas rescisórias, calculadas com base no período de trabalho apurado na inspeção – já que não havia registro em carteira, e de dano moral individual correspondente a 50 salários mínimos para cada um deles, valor previsto na Lei nº 13.467/2017 para a reparação de lesões de natureza gravíssima, como o regime de escravidão. Sem acordo, o procurador sugeriu, então, o pagamento dos últimos cinco anos, deixando o restante para litígio judicial. “Todavia, em nova consulta ao empregador, este preferiu a judicialização de toda a questão, até porque, o empregador informou que ‘conhece o ministro da Economia'”, informa a ata da audiência, da qual também participaram os auditores-fiscais do Trabalho Giuliano Gullo e André Otávio Pastro Kempf.
Carnes em varais
Outros sete trabalhadores foram resgatados da extração de madeira na fazenda Boa Vista, localizada no Município de Bela Vista, também no interior do estado. Destes, dois eram paraguaios.
Devido à indisponibilidade de alojamentos, eles improvisaram barracos com galhos de árvores e lona. Também não havia banheiros e o local de preparação de alimentos não contava com higiene. Sem energia elétrica, as carnes eram penduradas em varais expostos para secar e evitar o apodrecimento, sendo guardadas, depois, em sacolas. A água para beber, cozinhar, lavar roupas e utensílios era de um banhado perto do barraco, onde havia rastros de veículos.
Neste caso, o procurador Paulo Douglas Moraes não acompanhou os resgates – que aconteceram no dia 1º de outubro, mas presidiu a audiência administrativa que resultou em acordo para pagamento dos direitos trabalhistas devidos e de indenização por dano moral individual. O empregador havia contratado o grupo para retirar lenha de uma área que pertence a outra pessoa.
Mais de 54 mil pessoas foram resgatadas de condições análogas às de escravo pelo governo brasileiro desde 1995, de acordo com o Painel de Informações e Estatísticas da Inspeção do Trabalho no Brasil.
A exploração de trabalhadores nessas situações é crime e gera repercussões administrativas, cíveis e criminais. As penalidades vão desde multas administrativas aplicadas por auditores-fiscais até a responsabilização do empregador pelo crime previsto no artigo 149 do Código Penal brasileiro, com pena de reclusão de até oito anos.
Atualmente, no país, quatro elementos definem a chamada “escravidão contemporânea”: trabalho forçado (que envolve cerceamento do direito de ir e vir), servidão por dívida (um cativeiro atrelado a dívidas, muitas vezes fraudulentas), condições degradantes (trabalho que nega a dignidade humana, colocando em risco a saúde e a vida do trabalhador) ou jornada exaustiva (levar o trabalhador ao completo esgotamento dada a intensidade da exploração, também colocando em risco sua saúde e vida).
Entre 2003 e 2018, mais de 2,6 mil trabalhadores foram resgatados em situação semelhante à de escravo no Estado de Mato Grosso do Sul. Os números são do Observatório da Erradicação do Trabalho Escravo e do Tráfico de Pessoas, uma ferramenta digital desenvolvida pelo MPT e pela Organização Internacional do Trabalho-Brasil que, a partir do cruzamento de dados públicos, permite a formulação, o monitoramento e a avaliação de programas, projetos e políticas públicas no país.