Na encruzilhada de incertezas democráticas, Amazônia(s) em xeque
*Em solidariedade aos funcionários do Ibama atacados em Rondônia !
Foto: Nieves Rodrigues, Curva do “S”, Eldorado do Carajás/PA, por ocasião da passagem da data do Massacre de Eldorado/abril/2017
Em solo pátrio, a violência constitui-se como um elemento estruturante na história sobre a disputa pela terra e pelos recursos nela existentes. Antagonismo marcado pela a assimetria de forças econômicas e políticas num extenso repertório de massacres desde tempos imemoriais, com predomínio do interesse privado, em detrimento do público.
Ao se enquadrar a Amazônia, a violência imprimiu marcas profundas na história da “conquista” da fronteira. Saque marcado por execuções de índios e camponeses, ainda no século XXI. Tais episódios se intensificaram a partir da década de 1960 e ganharam índices alarmantes registrados nos anos da década de 1980.
Anos em que o braço armado dos ruralistas se aglomerou a partir da União Democrática Ruralista (UDR), e disparou um cipoal de chacinas em terras do Bico do Papagaio [sul do Pará, oeste do Maranhão e norte do Goiás,-atual estado do Tocantins], em particular.
Posseiros/as, padres e freiras, advogados foram executados, presos e torturados. Tombaram, entre tantos: Expedito Ribeiro, parte da família Canuto, Gringo, os advogados Paulo Fonteles, Gabriel Pimenta, João Batista e o padre Josimo.
Antes de findar o século XX os massacres de Corumbiara, ocorrido em Rondônia e o de Eldorado dos Carajás, ocorrido no estado do Pará instigaram os centros econômicos e políticos considerados mais desenvolvidos sobre a situação da disputa pelas terras da floresta amazônica.
Na maioria dos casos, a impunidade serve como regra, e incentivo à manutenção da prática. E, assim, em 2005, foi executada Dorothy Stang, em Anapu, no estado do Pará. José Cláudio e Maria Aparecida no projeto de assentamento agroextrativista Praialta Piranheira, na cidade de Nova Ipixuna, também em solo paraense, num maio de 2011.
Já no século XXI, há pouco mais de um ano, no município de Pau D´arco, também no Pará, a PM executou 12 sem terra. Todos os envolvidos estão soltos. Tais eventos de extrema brutalidade são banalizados, considerados como integrantes da lógica do avanço dos tentáculos da lógica do capital sobre o “mundo distante”.
Tudo pode ficar pior?
A se consagrar a vitória do militar Bolsonaro, tudo pode ficar bem mais grave. A indiferença às instituições, o ódio a negros, mulheres e ao setor LGBT, representações políticas do campo popular, a exemplo do MST, a propagação de um discurso sob a transpiração do ódio e belicista orientam a marcha rumo ao obscurantismo do candidato à presidência da República do PSL. Cada silaba e ato do militar, familiares e seguidores, fere de morte a frágil democracia nacional.
Neste cenário de incertezas, no dia 20, na cidade de Buritis, no estado de Rondônia, na Amazônia, um dos seguidores do presidencial Bolsonaro ateou fogo a três viaturas do Ibama que estavam estacionadas na porta de um hotel, e cumpririam ações de fiscalização contra o desmatamento ilegal.
O militar tem uma refrega com a instituição por conta de ter sido multado em dez mil reais, ao pescar numa área onde a prática é proibida, em Angra dos Reis, no Rio de Janeiro.
Ele nunca pagou a multa, e ainda apresentou projeto para desarmar os agentes públicos, que rotineiramente sofrem ameaças de fazendeiros e de outros setores por fiscalizarem crimes de desmatamento, biopirataria e tráfico de animais na região.
Sob a mesma atmosfera de insegurança operam os técnicos do Ministério do Trabalho, ao trabalharem contra a prática do trabalho escravo. Ao menos, quando ainda recurso existia para atividade de campo. Incra, Icmbio, Ibama, MPT e Funai padecem de profundos cortes em seus orçamentos no governo Temer, PMDB.
O fato ocorrido em Burutis não é um caso isolado. O processo de integração subordinada da Amazônia tem a grife da violência nas mais variadas vertentes e matizes. Para não chegar até o Tratado de Tordesilhas, lembro a ação terrorista cometida contra agentes do Ibama em 2008, por ocasião da operação Rastro Negro, na cidade de Paragominas no estado do Pará.
A operação visava fiscalizar carvoarias e a exploração madeireira ilegal nas terras do povo Tembé. O saldo foi a sede do instituto em Paragominas incendiada, o hotel onde estavam hospedados os agentes depredado, quatro carros queimados e 14 caminhões com de 400 metros cúbicos madeira roubados.
Outros atos de ataque a funcionários públicos em várias regiões do estado paraense, como registrado nas cidades de Trairão, Altamira e Santarém. Não tem havido grande distensão sobre os saques contra a região. Mas tudo pode ficar mais grave com uma agenda ultraconservadora.
No pacote de horrores consta: i) uma política orientada a partir do desenvolvimentismo com base em grandes obras de infraestrutura, que busca dinamizar o acesso a recursos naturais e viabilize corredores de exportação de mercadorias [eixos de integração], ii) flexibilização das leis para possibilitar acesso a territórios tradicionais de indígenas e quilombolas por empresas do grande capital, iii) criminalização dos movimentos sociais, iv) desmonte de instituições públicas e privatizações, entre outras agendas.
Mais do que nunca, urge a necessidade de organização e mobilização dos setores do campo democrático e popular. Invocar o espirito e a sabença dos povos das (a) Amazônia (s) para cerrar fileiras em defesa de todxs. Como dizia o posseiro na peleja da luta pela terra na década de 1980, “Quem morre calado é sapo debaixo de boi!”.
Por Rogerio Almeida