Indígenas, quilombolas e extrativistas se unem em defesa dos rios da Amazônia

Evento organizado pelo Fórum da Amazônia Oriental (FAOR), Xingu Vivo e UFOPA ocorreu na cidade de Santarém, irrigada pela maior bacia hidrográfica do mundo, na unidade Amazônia da universidade

Por Rogério Almeida – blog FURO

Santarém, oeste paraense ou Baixo Amazonas, Amazônia Oriental. As águas do rio Tapajós afrontam a cidadela da cidade. Os barcos que fazem o transporte para outros municípios estão rente ao asfalto. O rio Tapajós é um dos veios do Amazonas. Trata-se da maior bacia hidrográfica do mundo. É tempo de chuva.

Estas paragens, cheias de gentes, integra a agenda de desenvolvimento orientada a partir de eixos de integração, onde predomina a geração de energia, o modal de transportes (rodovia, hidrovia e ferrovia), portos e a comunicação na escala da América do Sul.

A ser consolidado o conjunto de megaempreendimentos, a tendência é modelar a região num corredor de exportação de commodities, com a hegemonia de grãos do Brasil Central. Soja em particular.

O Baixo Amazonas abriga um significativo mosaico de unidades de conservação e sítios arqueológicos que guardam uma ancestralidade pré-colombiana, com registros de mais de 11 mil anos da presença humana na Amazônia, a exemplo da Caverna da Pedra Pintada, localizada no município de Monte Alegre.

Tais dinâmicas e cenários ainda carecem de investigações científicas para conhecimento da humanidade. Elas estão na mira dos empreendimentos.

Soma-se ao quadro que ameaça a sobrevivência das populações originárias, o avanço político do setor ruralista, a revisão de leis que salvaguardam alguns direitos, o desmonte das instituições estratégicas a elas ligadas, a exemplo do Icmio, do Ibama, da Funai e do Incra.

Como dantes, as populações ancestrais e suas respectivas territorialidades, saberes e modos de reprodução dos vários campos (economia e cultura) são desconsiderados.

A conjuntura acima fez parte da agenda de seminário organizado pelo Fórum da Amazônia Oriental (FAOR), Xingu Vivo e a Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA), celebrado nos dias 27 e 28 de abril, em Santarém, na na unidade Amazônia da universidade. Entre quilombolas e indígenas a instituição abriga um conjunto de 800 discentes.

Seminário “Bacias hidrográficas na Amazônia: o sagrado e a defesa dos rios dos povos das águas”

O seminário integra a pauta do projeto Mãe D´água, onde convergem mulheres indígenas e onde constam a Associação Wakomboru (Munduruku), Associação Parerip (Munduruku do Médio Tapajós), Conselho Indigenista Tapajós Arapiuns, Conselho Gestor do Povo Ka´apor, Guerreiras da Floresta (Guajajara) da TI Caru.

Indígenas, quilombolas e extrativistas da comunidade ribeirinha de Montanha e Mangabal somaram bandeiras num debate sobre as ameaças que pairam sobre os rios da Amazônia. Comovente ver a mesa de uma universidade pública ocupada predominantemente pelos representantes Munduruku, Borari, Kaxuiana, Kurnaruara do estado do Pará e Gujajara, Ka´apor oriundos do Maranhão, ladeados por quilombolas ameaçados pelo projeto de construção de um complexo portuário do Lago de Maicá, na cidade de Santarém.

A luta em defesa territorial dos moradores de Montanha e Mangabal a partir da autodemarcação aglutinou indígenas e beiradeiros contra grileiros, madeireiros, garimpeiros e palmiteiros é uma referência sobre enfrentamento popular na região.

Falas dos representantes dos povos, apresentação de pesquisas dos discentes indígenas e quilombolas que investigam a implantação de grandes projetos na região, intervenção de professores, e de representantes dos Movimentos Tapajós Vivo e do Xingu Vivo fizeram parte das dinâmica dos dias de diálogos.

A representante Munduruku, Alessandra, a que se impôs ante uma reunião com o presidente da Câmara Federal, Rodrigo Maia, foi uma das palestrantes. Ela fez um inventário das ameaças que vivem os indígenas do oeste paraense, onde enumerou os garimpos, a construção de centrais hidroelétricas, rodovias, hidrovias, ramais de estradas, grileiros, empresas de loteamentos e os projetos que buscam findar as atividades do Incra e Funai.

“O que o governo tem apresentado a nós é um pacote de morte. Há anos brigamos pelo reconhecimento de nossos territórios, e o avanço é bem pequeno. O governo não entende e não respeita que cada povo tem seu modo de vida, o seu modo de lutar e viver”, enfatizou Alessandra.

A dirigente comunicou que o governo projeta a construção de 43 usinas hidroelétricas na região. Sobre a Teles Pires, conta que “a usina já provoca a morte de nossos peixes. A empresa alterou o modo de vida nosso povo que vive dos rios e das florestas. Isso afeta a nossa sobrevivência”. A usina erguida na fronteira do Pará como Mato Grosso opera desde 2015 sob o controle das empresas Eletrosul, Furnas Odebrecht e Neoenergia.

Alessandra alerta para a ação das empresas que sem permissão dos povos tendem a fotografar e filmar os mesmos e usar os registros para legitimar audiências e o endosso dos empreendedores. “A gente precisa intensificar o nosso trabalho de educação de base e protagonizar pesquisas para que o nosso povo não seja enganado”, finaliza a Munduruku.

Impactos no Lago do Maicá

Daniela Pinto, quilombola e estudante da UFOPA advertiu sobre os impactos que os moradores do Lago do Maicá vem sofrendo com o anúncio do projeto, e os embates já travados entre os moradores e a Empresa Brasileira de Portos de Santarém (Embraps). “Nosso povo está adoecendo e já notamos o consumo de drogas em nossa comunidade. Este modelo de desenvolvimento é insustentável”, salienta a estudante, que defende a necessidade de união entre indígenas e quilombolas para o enfrentamento das ameaças dos grandes projetos.

Marize Guajajara, do território indígena Caru, localizado no município de Bom Jardim no estado Maranhão, alertou sobre os riscos da PEC 215, que revisa o reconhecimento dos territórios quilombolas. A estratégia visa transferir para o Congresso Nacional a responsabilidade da demarcação dos territórios ancestrais.

A TI Caru, como outros territórios indígenas, quilombolas e campesinos nos estados do Pará e Maranhão são impactados pela Estrada de Ferro de Carajás (EFC). A EFC passa por um processo de duplicação, assim com o Porto do Itaqui, na cidade de São Luís, por conta demanda de minério pelo mercado asiático.

LEIA A CARTA DO SEMINÁRIO AQUI


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