Sob ameaça de despejo, assentamento completa cinco anos em Macaé (RJ)
Clívia Mesquita/Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ) – “Despejo não, agroecologia sim” foi a palavra de ordem que marcou o ato político, realizado no último sábado (7),em homenagem ao quinto ano do assentamento Osvaldo de Oliveira, organizado pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), na região serrana de Macaé (RJ).
As 63 famílias sem-terra que integram o assentamento estão apreensivas por conta de um processo de reintegração de posse determinado pelo Tribunal Regional Federal do Rio de Janeiro (TRF-RJ) em agosto deste ano. Apesar da ameaça de despejo, as famílias não deixaram de comemorar o aniversário do assentamento e inauguraram com entusiasmo uma casa de farinha e uma máquina para produzir tijolos de forma sustentável.
O projeto da casa de farinha veio da necessidade de facilitar o transporte e aumentar a durabilidade das safras de aipim produzido no assentamento. Ela funciona com um triturador movido a bicicleta, uma prensa e um forno para a torra. O projeto foi financiado com recursos de incentivo à tecnologia social do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e executado em parceria com estudantes do curso de engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) de Macaé.
Depois de triturada, a mandioca pode gerar vários produtos, explica a agricultora assentada Gildete Sales, de 61 anos. Além de cultivar bananas-da-terra no seu lote, ela recentemente se especializou em processamento de mandioca em um curso realizado pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Sua ideia é colocar em prática o conhecimento adquirido na casa de farinha.
“Vou passar tudo que aprendi lá aqui, tá sendo um sonho. Vamos fazer as tapiocas coloridas e depois passar o procedimento da farinha”, explica Gildete. A tapioca rosa com corante natural de beterraba e a tradicional com leite condensado e coco foram a atração culinária do evento.
Sustentável
Motivo de orgulho para as famílias, o assentamento Osvaldo de Oliveira se diferencia de outros assentamentos por se categorizar como um Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS). Criado em 2014, é o primeiro PDS oficializado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) no estado do Rio de Janeiro. O objetivo principal é a preservação do meio ambiente e a produção de alimentos saudáveis, de forma agroecológica, sem uso de veneno.
Feijão, milho, abóbora, pepino, melancia, jiló, banana, coco, graviola, aipim e hortaliças diversas são alguns produtos que as famílias do assentamento comercializam em diversas cidades do estado. Para Sinval Maranhão, de 53 anos, a participação do assentamento no Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) de Macaé evidencia que a terra é produtiva.
“Tudo que a gente planta aqui se colhe. É sofrimento porque você vive dentro de um barraco sem grande conforto, mas com a vontade de viver da terra você acredita que vale a pena. Temos boa participação de merenda escolar do município temos provas que isso aqui é produtivo, estamos acreditando que a nossa permanência vai valer”, afirma Maranhão, que planeja iniciar uma plantação de cacau e açaí.
A possibilidade de perder o trabalho de anos na terra adoeceu Gildete: “Tenho tanta coisa plantada. Choro de pensar que não vou colher minhas bananas-da-terra, isso é triste e dói demais na gente. Não estou dormindo nem comendo direito, mas tenho fé em Deus que a gente vai conseguir ficar nessa terra porque ela é nossa”.
Para Edna Mendonça, que já passou por diversos despejos violentos em outras experiências, esse parece ainda pior. “Parece que meu sonho estava mais concretizado. Quero fazer um barraco melhor, instalar água pra molhar minha horta, pensar numa criação. Estamos muito desolados, mas nos firmando porque sem-terra não desiste nunca, buscando apoio um no outro. Vendo que a conjuntura está contra a gente, tem que conseguir força pra lutar até o último dia”, desabafa.
Histórico
Conhecido anteriormente como Fazenda Bom Jardim, o assentamento Osvaldo de Oliveira está localizado no distrito Córrego do Ouro, no município de Macaé, região norte fluminense. A propriedade foi considerada improdutiva pelo Incra em 2010, sendo decretada para fins de reforma agrária. No mesmo ano, cerca de 300 famílias do MST ocuparam as terras da fazenda no dia 7 de setembro com o objetivo de pressionar a desapropriação.
Após três meses, uma série de despejos violentos aconteceu na ocupação. A reintegração de posse da fazenda para a União, oficializada como Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PSD) pelo INCRA só aconteceu em 2014. Este ano, a decisão do desembargador do TRF-RJ deu prazo de 90 dias para os assentados desocuparem as terras e prevê a utilização de força policial caso não seja desfeito o assentamento. Uma nova audiência de apelação deverá acontecer neste mês.
Edição: Mariana Pitasse
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