Samba da Vela comemora 18 anos de resistência na próxima segunda feira, 23
[Por Rogério Almeida/Furo] Acender as velas já é profissão/quando não tem samba/tem desilusão invocava Zé Keti em tempos distantes. Ao lado do maranhense João do Vale, Nara Leão, em seguida Maria Bethânia, nos nebulosos anos da década de 1960, protagonizou um dos mais importantes manifestos-espetáculos da música popular brasileira, o show Opinião.
Sob a direção de Augusto Boal, a iniciativa realizada em plena ditadura civil militar, no Teatro Arenas, no estado do Rio de Janeiro, teve o caráter de resistência, e se imortalizou em álbum homônimo. Carcará, Peba na Pimenta, Borandá, Incelança, Malvadeza Durão integraram o repertório. A dupla linha de frente composta por dois negros, sendo um nordestino já confere à iniciativa um caráter de vanguarda.
Há 18 anos, mais de cinco décadas depois do show Opinião, na quebrada paulistana, no bairro do Santo Amaro, a vela é acesa à cada segunda feira, por volta das 20h 45 para celebrar o samba autoral/raiz. A Casa de Cultura de Santo Amaro é o espaço que acolhe a manifestação nascida por iniciativa de um grupo de compositores do bairro, animada pelo saudoso Paquera [José Alfredo Gonçalves de Miranda] e os parceiros Magnu Souza, Maurílio de Oliveira e Chapinha.
Assim como no Opinião, o Samba da Vela carrega o caráter de resistência. O mestre de cerimônia, o cearense apelidado de Chapinha [José Marilton da Cruz], insiste em sublinhar: “ aqui não temos o samba pelo samba. Vale a poesia. A acolhida de todos e todas”.
O afeto transborda em formas de poesia recitada ou cantada. E, mesmo em agradecimentos públicos, como o que ocorreu nesta segunda, 16 de julho, quando o comandante do cavaquinho agradeceu aos atores Gero Camilo [também cearense] e Victor Mendes.
Chapinha, migrante nordestino chegou em São Paulo na década de 1970, tangido pela seca. Assim como outros irmãos de região. Encarou o preconceito, e se consagrou como presidente da Vai Vai por duas décadas. Politizado, insiste sobre a necessidade em se punir os maus políticos no pleito eleitoral que se avizinha.
O MC armado de bom humor e ternura puxa as canções clássicas da roda de samba, e convoca as pastoras da quebrada a engrossarem o coro numa canção que relembra a sobrevivência do sertanejo. O clima é de comoção. Palmas entrecortam os versos, o que aprofunda ainda mais o clima de comunhão.
Gente de tudo que é idade, cor ou raça se organiza em forma circular tendo a vela ao centro, acomodada numa espécie de redoma. A estratégia é evitar a aceleração do fim da chama por conta do vento. A mística consiste numa forma em organizar o horário de findar a celebração. A forma circular acentua ainda mais o aspecto de inclusão.
Diz a lenda sobre o Samba da Vela, que nos primeiros encontros, ainda fechados somente para compositores, além de entoar os clássicos e autores locais, os encontros varavam a madrugada a dentro.
É de integração a aura roda de samba que guarda semelhanças à um culto religioso. No dia dedicado às almas pelos católicos, e a exú pelos cultos de matriz africana [abre caminhos], a roda de samba que ocorre sem equipamentos sonoros, é organizada a partir das canções dos compositores do bairro, e de outras quebradas. É vedada a comercialização de cerveja, mas, um bar perto socorre os devotos do samba.
Na próxima segunda feira, dia 23, no Clube Atlético Indiano, a parti das 19h, a preço de R$15,00, a vela pelos 18 anos de resistência vai alumiar o bairro de Santo Amoro.
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