Pronera transforma trabalhadoras do campo em protagonistas da educação popular em suas comunidades
Criado há 20 anos, Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera) priorizou entendimento da educação como política social em 2004 e como política pública em 2010
Por Paula Zarth Padilha
Instituto Democracia Popular
Com uma metodologia de alternância, com parte das aulas nas universidades e parte dos estudos aplicados nas comunidades de origem, o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera), já beneficiou 187 mil jovens e adultos dos assentamentos e acampamentos rurais reconhecidos pelo Incra, quilombolas e beneficiários do Programa Nacional de Crédito Fundiário (PNFC).
Com um projeto de educação popular para formação dos povos tradicionais e do campo, e atendimento via Ensino de Jovens e Adultos (EJA) desde o ensino fundamental, de cursos técnicos, até a pós-graduação, o Pronera formou em 20 anos 5,5 mil estudantes na graduação.
Agroecologia, Medicina Veterinária, Letras, Zootecnia, Pedagogia, Saúde Coletiva e da Família foram os editais disponibilizados pelo Incra para o 2º semestre de 2018, mas os cursos também incluem Pedagogia para Educadores do Campo, por exemplo, e Direito.
A primeira turma de Direito pelo Pronera teve início em 2007, em parceria do INCRA com a Universidade Federal de Goiás, que em 2012 formou 57 bacharéis originários de 19 estados brasileiros.
O primeiro curso via Pronera pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) é a graduação em Direito, com a turma Nilce de Souza Magalhães, iniciada no ano de 2015, que homenageia a militante Nicinha, do Movimento dos Atingidos por Barragens de Rondônia, que foi assassinada e teve seu corpo encontrado no Rio Madeira.
Formação para a advocacia popular
O processo de seleção é via Enem e a UFPR possui uma turma especial de graduação em Direito para inclusão de beneficiários da Reforma Agrária. A turma Nilce de Souza Magalhães tem 49 alunos, sendo 47 estudantes originários de 16 estados do país, militantes dos diversos movimentos sociais (MST, MAB, MPA, Fundo De Pasto, e Quilombolas), e outros dois estudantes haitianos.
Conforme explica a estudante Jaqueline Andrade, estagiária de direito no Instituto Democracia Popular (IDP) essa especificidade do Pronera é importante, pois para possibilitar a inclusão dos beneficiários da reforma agrária no ensino superior, existem recursos específicos para estadia, alimentação e retorno às comunidades para aplicabilidade do conteúdo do curso. Essa é uma especificação do Manual do Pronera em vigência, que até 30% da carga horária seja no local de origem do estudante, como é o caso de Jaqueline, filha de agricultores no interior do município de Monte Santo, no Estado da Bahia.
“Poder ter acesso ao ensino superior, especificamente a um curso de direito numa universidade pública é uma grande vitória. Vitória essa que se deve aos movimentos sociais que lutaram arduamente para que as crianças jovens e adultos do campo acessassem a educação de qualidade – direito que foi sempre impossibilitado a esses sujeitos. Então, nesse período que estou longe da família, comunidade e amigos, procuro sempre lembrar os motivos de estar aqui e isso que me dá motivação para estudar, fazer cursos, idiomas e me empenhar nas tarefas”, afirma Jaqueline.
Ela explica que região no interior da Bahia, de onde ela vem, é muito pobre “e muito injustiçada pelo governo e pela oligarquia agrária – que ceifam a vida daqueles que lutam por terra, pão e moradia” e essa é uma das motivações dela para retornar quando terminar a graduação em Curitiba. “Pretendo me inserir nas organizações de advocacia popular ou quaisquer outros meios, para que possa colocar em prática todo o conhecimento que tive nesses cinco anos, assessorando agricultores, agricultoras, povos e comunidades tradicionais, tomada pelos princípios da justiça social no campo e na busca pela dignidade da pessoa humana”, diz Jaqueline.
Em seu estágio no IDP, a estudante também pode aplicar o aprendizado do curso de Direito com o viés da advocacia popular, ao auxiliar em processos de regularização fundiária, uma das frentes de atuação do Instituto Democracia Popular no eixo Direito à Cidade.
Primeira da família de camponeses no ensino superior
A estudante Ana Santos, que mora acampada em Rio Bonito do Iguaçu, também é graduanda em Direito pelo Pronera e atua como estagiária nos processos de regularização fundiária do Instituto Democracia Popular (IDP). “Minha família sempre foi do campo, de início, meu avô possuía um pequeno pedaço de terra no Sudoeste do Paraná, que com o passar dos anos, não comportou o grande contingente familiar. Boa parte da minha família entrou no Movimento Sem Terra, justamente pra buscar condições de permanecer no campo”, conta. “Minha mãe se inseriu no MST do Rio Grande do Sul, onde conheceu meu pai. Posso dizer que nasci no meio da luta, pois além de minha mãe ter contribuído em alguns espaços de ocupações no Rio Grande do Sul, quando eu tinha em torno de 4 anos retornamos para o Paraná, para acampar em Quedas do Iguaçu, no espaço onde hoje é conhecido como Assentamento Celso Furtado”, lembra Ana.
Ela explica que as condições nunca eram das melhores, e que foi um primo que já estava frequentando a escola uns dois anos antes do que ela, que a ensinou como escrever seu nome, utilizando pequenos gravetos, no terreiro de casa. “Mais tarde fomos morar no Assentamento Marcos Freire, em Rio Bonito do Iguaçu, onde iniciei meus estudos, na recém construída escola do assentamento”.
Ana conta que sempre estudou na escola do assentamento e na sequência cursou magistério no Colégio do Campo Iraci Salete Strozak, espaço que possibilitou a inserção dela na militância do MST. “Foi a partir da militância que tive a oportunidade de cursar Direito, pelo Pronera, programa forjado a partir das lutas dos movimentos sociais do campo. Das 30 e tantas netas e netos de meus avós, sou a primeira a ingressar na universidade, e melhor, numa universidade pública!”.
Ana foi a pioneira de sua família a entrar no ensino superior também e com isso outras primas e primos também ingressaram na universidade via PROUNI. “E isso, tenho a clara certeza de que não se deu por mérito individual, mas sim como resultado de toda uma luta coletiva, por direito a educação, portanto, mérito de toda classe trabalhadora. Para mim, filha de camponeses, sem terra, cursar direito, não é um mérito, mas sim uma conquista dos movimentos sociais, que desperta em mim um compromisso social: de luta pelos direitos do nosso povo, mas também de acesso, para jovens como eu, à educação superior, pública, gratuita e de qualidade”, defende.
Saiba mais sobre o Pronera
O Pronera é oferecido em parceria com o Incra por instituições de ensino, pesquisa e extensão, públicas mas também por instituições privadas sem fins lucrativos. Em junho de 2015 foi divulgado relatório da II pesquisa nacional sobre a educação na reforma agrária, produzida pelo IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), revelando que a origem da maioria dos estudantes beneficiados pelo Pronera é de assentamentos rurais (79,47%), que as mulheres são maioria nos cursos de graduação (63,1%) e que as universidades públicas federais ofertaram 53,8% dos cursos.
A primeira universidade do Paraná que viabilizou cursos do Pronera foi a Unioeste, uma universidade pública estadual, com o curso de Pedagogia para Educadores do Campo, ofertado em 2004 e formando outras três turmas depois disso. No período da pesquisa, o Paraná ofertou 17 cursos de graduação.
Em todo o país, no período de 1998 a 2011, foram realizados 320 cursos do Pronera possibilitados por parcerias com 82 instituições de ensino, sendo 167 de EJA fundamental, 99 de nível médio e 54 de nível superior, realizados em 880 municípios espalhados por todos os estados.
Das 82 instituições que participaram, destacam-se a Universidade Federal do Pará (UFPA), que realizou 31 cursos no período, o Instituto Técnico de Capacitação e Pesquisa da Reforma Agrária (Iterra-RS), com dezoito cursos, a Universidade Federal da Paraíba (UFPB), com catorze cursos, a Universidade do Estado da Bahia (UNEB) e a Fundação Universidade do Tocantins (Unitins), com dez cursos cada.
No Paraná, a maioria dos cursos são ofertados pelo Instituto Federal do Paraná, criado em 2008. O Estado se consolidou no período da pesquisa como o segundo em número de estudantes ingressantes no ensino superior, com 266 alunos.
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