Moradores vasculham escombros procurando desaparecidos após incêndio na Ocupação 29 de Março

[Texto: Paula Zarth Padilha – Fotos: Joka Madruga]  Perto do meio dia deste sábado, 08 de dezembro, a rua de terra que atravessa as quatro ocupações da CIC, em Curitiba, estava com circulação de veículos restrita por barricadas, construídas pelos próprios moradores. Para quem vem da rodovia, e enxerga primeiro a Nova Primavera, caminhando alguns metros já é possível ver a destruição do fogo.

Primeiro, com as árvores queimadas, até a copa. Mais adiante, atrás da barricada de galhos, esqueletos, muitos esqueletos de esquadrias de janela, fogões, geladeiras. Em frente ao local com a situação mais crítica, botijões de gás enfileirados na rua. Dezenas deles. O fogo sinalizou a quantidade de habitações de madeira que havia na Ocupação 29 de Março. Ficaram em pé as poucas casas de alvenaria, sem nada dentro, sem telhado, com vidros quebrados.

Ainda nesse momento, mais de 12 horas após o início do incêndio, havia labaredas de fogo esparsas. E também homens, mulheres, crianças, jovens e idosos levantando escombros dos objetos perdidos. Muita destruição, pouca lembrança afetiva e muito cimento quebrado.

Os moradores vasculhavam, em pequenos grupos, o que restou de suas vidas na ocupação. Naquele momento, um homem disse ter encontrado restos mortais e chamou todos em volta para ver. Havia poucas pessoas, nenhuma era polícia científica ou representante do Estado. Não tinha como saber ou confirmar a suspeita. Mas eles procuravam, por conta própria, sem material de proteção algum, por pelo menos três pessoas, um casal e uma criança, que teriam ficado presos em casa.

A Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Paraná acompanha a situação das famílias. Foi o próprio deputado estadual Tadeu Veneri, presidente da comissão, quem afirmou que de fato a polícia científica ainda não estava presente no local para realizar perícia.

Um dos moradores, jovem, negro, foi o primeiro que quis falar após algumas recusas. As pessoas declaravam medo do que aconteceu, especialmente porque outras três ocupações, com mais de mil famílias, não foram atingidas pelo fogo. “Faz cinco anos que moro aqui. Na quinta de noite mataram um policial e eles entraram aqui ontem, na casa de várias famílias, batendo em várias pessoas, que não tem nada a ver, o pessoal não tem culpa do que aconteceu, de outras pessoas terem feito isso”, disse. Segundo ele, e outros moradores ao lado, na sexta eram mais de 40 viaturas, “lotado de polícia” na região, entrando de casa em casa. “Não entraram na minha casa, mas me chutaram e me mandaram sair”. Ele relata que colocaram sacola na cabeça das pessoas, que esfaquearam um rapaz. “Queriam que a gente dissesse quem matou e a gente nem sabe”.  O morador sinaliza que os policiais premeditaram o incêndio. “Eles vieram aqui de tarde e falaram que iam voltar aqui e fazer isso aqui mesmo, tacar fogo. Eu estava na casa aqui da frente, com a vizinha que tinha filha pequena e estava assustada. A Policia Militar bateu na primeira casa, no sobrado e mandou todo mundo sair, dizendo que seria pior se não saísse, mandaram sair da vila, tacaram fogo no barraco”.

A versão de que os policiais avisaram os moradores para sair foi repetida por outra moradora, da Ocupação Nova Primavera. “Eles entraram na minha casa falando que iam voltar e colocar fogo aqui. E eles voltaram e colocaram fogo na 29”, relata. “Eles ameaçaram que se não reunisse mulheres e crianças pra sair daqui, eles iam voltar. Avisaram a maioria das pessoas, foram de porta em porta”. Ela mora na ocupação desde o começo e não diz saber se continua ou se vai embora.

A Defensora Pública Olenka Lins esteve na ocupação e afirmou que a situação é desoladora e que é necessária uma força tarefa para minimizar as perdas dessa população, e que a defensoria está em contato com órgãos do poder público para viabilizar o aluguel social ou realocação. Sobre as denúncias dos moradores contra os policiais, ela declarou: “As condutas criminosas eventualmente cometidas serão encaminhadas para o ministério público e o núcleo de direitos humanos da defensoria pública está encaminhando”. Ela afirma que o promotor do GAECO, da polícia civil, iria tomar os depoimentos.

O deputado Tadeu Veneri afirmou que a Comissão de Direitos Humanos da Alep acompanha as denúncias dos moradores, de tortura por policiais o dia todo na sexta, de cárcere privado, crianças sem escola. “A partir do policial morto, toda essa situação foi desencadeada”. A Comissão fez o contato com a secretaria de segurança pública para que a polícia militar não entrasse em contato novamente com as famílias nesse momento. “O que chama a atenção é que por duas vezes a pessoa responsável pelo assassinato tentou se entregar e não foi aceita sua prisão”.

O deputado lembra que o terreno é público, da prefeitura, e que ele espera que o prefeito Rafael Greca transforme a área para conjuntos habitacionais. “Nós temos 200 famílias sem casa, sem roupas, sem bens e sem documentos”.

O Instituto Democracia Popular vistoriou o local do incêndio, recolheu depoimentos de moradores e visitou as instalações onde as famílias desabrigadas passaram a noite. A praça da Ocupação Dona Cida, ao lado, está funcionando como ponto de coleta de doações e distribuição de comida para as famílias. Diversos moradores que não foram atingidos pelo incêndio carregavam doações para compartilhar com quem perdeu tudo e outros carregavam restos de cobre para vender como sucata e comprar alimentos.

Na sexta, o IDP denunciou relatos de moradores sobre a presença da PM nas ocupações, com situações de disparos de arma de fogo e arrombamento das casas. Os moradores temiam o que pudesse acontecer na madrugada. Desde a confirmação do incêndio, o IDP, junto a diversos representantes da sociedade civil, acompanhou a situação das famílias, que viviam momentos de tensão com o fogo e com a permanência da madrugada de um grande contingente policial. Relatos de que os moradores protegiam um corpo, que foi retirado pelo IML perto das 4h, quando o fogo estava controlado. Os moradores afirmavam que a vítima era testemunha de que policiais iniciaram o incêndio e foi executada. Neste momento da retirada do corpo, houve revolta da população e a PM dispersou a movimentação com balas de borracha, deixando mais pessoas feridas.

 


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