Mineradora tenta impedir atuação de advogado de comunidade quilombola no Serro (MG)

Amélia Gomes/Brasil de Fato | Belo Horizonte (MG) – Na última semana, Matheus de Mendonça Gonçalves Leite, advogado da Federação das Comunidades Quilombolas de Minas Gerais (N’Golo), foi surpreendido ao descobrir que estava sendo processado pelo Grupo Herculano Mineração. Matheus é o defensor da comunidade quilombola de Queimadas, que fica no município do Serro, Região Central de Minas Gerais. Desde o ano passado a cidade está no meio de um impasse sobre a liberação ou não de um empreendimento minerário no distrito. De um lado a empresa Herculano, do outro a população da cidade que já se manifestou publicamente contra a mineração na região.

Desde o começo, Matheus Mendonça tem atuado no caso. A comunidade defendida por ele é uma das afetadas pela possível instalação do Projeto Serro. O empreendimento prevê a abertura de uma cava a cerca de 5 km do centro histórico da cidade e tem a estimativa de produção de 1 milhão de toneladas de minério de ferro por ano. Uma das principais críticas ao projeto é que ele coloca em risco a bacia do Rio do Peixe, principal fonte de abastecimento da região.

No começo deste mês, o Grupo Herculano, por meio da Mineração Conemp, entrou com um pedido de Tutela Inibitória contra o advogado. Na ação, a empresa exige que ele seja proibido de dar entrevistas ou fazer qualquer menção pública ao empreendimento. Além disso, pede retratação pública sobre as acusações feitas à mineradora. No dia 18 de julho, o pedido foi indeferido pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais.

Uma das denúncias de Matheus foi de que membros do Conselho Municipal de Desenvolvimento do Meio Ambiente (Codema), órgão que concede a declaração de conformidade do empreendimento para a mineradora, teriam sido beneficiados com recursos da empresa. É que a tradicional Festa do Queijo da cidade recebeu patrocínio de R$ 50 mil do grupo Herculano, o que beneficiaria membros do Codema ligados ao setor. O recurso foi repassado antes da votação do conselho sobre a concessão da declaração e o contrato de patrocínio da festa sequer foi divulgado no Diário Oficial do Município.

“É um absurdo! Como advogado da Federação Quilombola eu tenho o dever profissional de apontar todas as ilegalidades que acontecem em questões de interesse de todas as comunidades. Inclusive, o Estatuto da OAB me garante imunidade por qualquer das minhas manifestações como advogado, em juízo ou fora dele”, ressalta o advogado.

Matheus denuncia ainda que, desde o começo do processo, a mineradora tem tentado inibir as mobilizações contra o empreendimento. “As pessoas que a empresa levou para a última reunião do Codema começaram a me xingar. A reunião teve que ser paralisada por 40 minutos, isso está tudo em ata. Essas ações de coação da mineradora são rotineiras”, critica.

O advogado afirma ainda que mesmo com as tentativas de coação vai continuar atuando no caso. “Toda minha ação foi no sentido de assegurar os direitos das comunidades quilombolas e da população do Serro em geral. Essa ação não interfere em nada na minha atuação, eu vou continuar agindo em defesa desses povos” afirma Mendonça.

Contra a ação da mineradora, movimentos populares e entidades organizam uma nota de solidariedade ao advogado. De acordo com os assinantes do documento, a ação da empresa contra Matheus é um grave ataque à atuação de advocacia e à luta popular da região. O Movimento Pela Soberania Popular na Mineração (MAM) está colhendo assinaturas e, para subscrever a nota, é necessário comunicar o movimento pelo número (31) 9 9809 8033.

Procurada pela equipe do Brasil de Fato MG, a empresa Herculano Mineração não respondeu sobre o caso até o fechamento desta matéria.

Mineração no Serro

A liberação ou não do empreendimento minerário Projeto Serro, do Grupo Herculano no município, está suspensa. Em abril, o Codema concedeu a declaração de conformidade do empreendimento para empresa. Por causa do ato do conselho, Paulo Procópio, então presidente da instituição pediu sua renúncia do cargo. Em maio, a nova presidenta da entidade Vanessa de Fátima Terrade, anulou a declaração. Mais de 30 movimentos, coletivos e organizações populares lançaram uma carta em apoio à presidenta do Codema.

Tramita na Justiça um mandado de segurança proposto pela Federação das Comunidades Quilombolas do Estado de Minas Gerais (N’Golo). Também foi proposta uma reclamação, no Supremo Tribunal Federal, contra a decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, que permitiu a tomada de decisão pelo Codema/Serro sem a consulta da comunidade quilombola de Queimadas, o que viola o artigo 6 da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Ambas ações estão em tramitação.

Histórico de risco

Em 2014, uma barragem de rejeitos da mineradora Herculano se rompeu em Itabirito (MG) causando a morte de três trabalhadores, a contaminação de cursos d’água e graves impactos ambientais na bacia hidrográfica do Rio da Velhas. Em 2015, os sócios-proprietários e o engenheiro de minas da empresa foram indiciados por crimes ambientais e por crime de homicídio doloso – quando se assume o risco de matar.

Edição: Joana Tavares


Mais notícias de:

Deixar um comentário