Indígenas impedem reintegração de posse de terreno ao lado de aldeia Jaraguá Guarani

Construtora obteve alvará para construção do condomínio Jaraguá-Carinás, com cinco prédios, a oito metros da aldeia

Caroline Oliveira e José Eduardo Bernardes
Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

 

Indígenas Guarani e Polícia Militar entram em acordo para a desocupação do terreno próximo à aldeia Jaraguá em São Paulo. A Polícia Militar pediu que a Tropa de Choque que mantinha a rua de acesso ao terreno fechada desde a manhã desta terça-feira (10) fosse retirada. Os indígenas permanecerão acampados em frente ao terreno até que a Justiça Federal decida sobre a questão.

“O conflito que a Tenda e o prefeito Bruno Covas queriam não vai acontecer. Vamos continuar a resistência. O mandado de reintegração de posse é para dentro do terreno. Nós vamos ficar aqui na frente. E se a Tenda entrar aqui, nós também vamos”, anunciou o líder indígena Thiago Jekupé após o acordo.

O líder indígena ressalta que a ocupação do território tem o objetivo de cobrar o respeito à legislação indigenista.

“A gente não está discutindo a posse da terra mas sim as legislações indigenistas que estão sendo burladas, que estão sendo desrespeitadas A prefeitura de São Paulo não respeitou a Convenção 169 da OIT [Organização Internacional do Trabalho] que nos garante a consulta prévia, livre e informada. Nós estamos aqui resistindo, somente com a nossa reza, com a nossa fé, nós não somos um povo de violência, dessa forma a gente continua resistindo aqui”, afirma Jekupé.

A ocupação das obras do condomínio Reserva Jaraguá-Carinás pelos indígenas Guarani Mbya, próximo da Terra Indígena (TI) Jaraguá, amanheceu cercada pela Polícia Militar de São Paulo nesta terça-feira (10) para reintegração de posse de uma área da construtora Tenda Negócios Imobiliário, vizinha à TI do Jaraguá, que está ocupada por guaranis desde o dia 30 de janeiro deste ano.

A reintegração de posse foi decidida por liminar emitida pelo juízo de primeiro grau do Fórum Regional da Lapa.

“A Tenda ingressou com uma ação de reintegração de posse porque adquiriu esse terreno sem licenciamento ambiental, de forma irregular e sem reconhecer que é uma área próxima a uma área demarcada indígena. Há necessidade de afirmar que há incompetência completa da Justiça Estadual nesse processo. Porque se trata de direito indígena e direito ambiental, não se trata de direito de propriedade exclusivamente”, ressalta Gabriela Pires, advogada da Comissão Guarany Yvyrupa, representante legal do povo guarani do Sul e Sudeste do país.

O Ministério Público de São Paulo pediu que a Fundação Nacional do Índio (Funai) fosse ouvida no processo, mas esse pedido foi negado, afirma Pires. “A Justiça negou e concedeu essa reintegração. Não fomos ouvidos até ela determinar essa reintegração e determinou de forma urgente, ou seja, de forma liminar”, ressalta.

A advogada informa que existem duas ações na Justiça Federal para que ela reconheça a competência no caso com base no direito indígena e no direito ambiental, assim como para afirmar que houve desmatamento ilegal da Mata Atlântica naquela região. Segundo o artigo 109 da Constituição Federal, compete aos juízes federais processar e julgar “a disputa sobre direitos indígenas”.

 

Pires afirma que foi emitida nessa segunda-feira (9) uma recomendação do Conselho Nacional de Direitos Humanos para que haja suspensão da reintegração de posse por risco à violação dos direitos humanos.

“Nessa ocupação há mulheres, há crianças, há idosos, há povos indígenas que vão ser violentados com armas de choque. Porque no ofício da PM tem a previsão de que eles vão usar arma de choque além do gás, além de bala de borracha, enfim. Então existe o risco de violação de direitos humanos. Essa recomendação foi feita ontem pra Justiça Estadual e pro desembargador”, aponta.

A advogada ressalta que a ocupação é uma resistência pacífica por parte dos indígenas e não reivindica a posse do território, mas a sua proteção do ponto de vista ambiental.

“Eles estão aqui num ritual de luto pelo corte das árvores. Não é apenas uma questão de dizer que essa área delimitada milimetricamente é deles. É uma questão de ancestralidade, de espiritualidade e de proteção ambiental e social”, aponta.

No dia 30 de janeiro, a empresa iniciou o processo de derrubada de mais de 520 árvores para a construção do condomínio Jaraguá-Carinás, com cinco torres e 396 apartamentos, para cerca de 800 moradores, a oito metros da aldeia Tekoa Ytu –  única das seis aldeias da região que está na fase final do processo de demarcação da terra indígena. Após a ação da construtora, a comunidade indígena fez uma denúncia ao Ministério Público.

As outras cinco aldeias tem a originalidade indígena reconhecida por uma portaria interministerial.

Tamikuâ Txihi, uma das lideranças mulheres da Terra Indígena Jaraguá, afirma que os indígenas pedem o adiamento da reintegração para concluírem seus ritos em relação à essa terra.

“Estamos aqui nesse momento resistindo pela nossa mãe e irmã natureza. Nós, povos guaranis, não temos armas. A nossa arma é a espiritualidade. Então nós estamos aqui pra fazer esse rito, por cada árvore que foi tombada, o chão que é comum da nossa família, porque, para nós, quando vamos remover uma árvore de algum lugar, tem todo um ritual. Imagina o número de árvores que eles arrancaram, são mais de 300 árvores e precisava de muito mais tempo pra fazer esse rito”, ressalta.

 

Pelo fato de a construção estar a menos de oito quilômetros de uma terra indígena, os responsáveis pelo empreendimento deveriam levar em conta o componente indígena no processo de licenciamento, como garante a Portaria Interministerial 60, de 2015.

A consulta prévia aos povos também é assegurada por normas do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), e pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário.

A área também é protegida por ser considerada parte da Reserva da Biosfera do Cinturão Verde de São Paulo pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), desde 1994, abrigando um dos últimos pontos de Mata Atlântica da região.

Fonte: Brasil de Fato


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