Homem invade e quebra tudo em terreiro no Maranhão
[Por Emilio Azevedo*] No meio evangélico brasileiro existe hoje uma turma barra pesada. O ex-deputado Eduardo Cunha, por exemplo; que está preso por crimes evidentes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e evasão de divisas; criou um site chamado “Fé em Jesus” e uma empresa de nome Jesus.com. Ele foi (ou ainda é) o poderoso chefão da bancada evangélica, em Brasília. A questão, no entanto, não passa só por grana suja. A intolerância é outro problema que anda de braços dados com a corrupção. O discurso odiento de inúmeros pastores tem consequências graves. Hoje, a propagação de ideias de extrema direita no país, baseada no machismo, racismo e homofobia é, sem dúvida, potencializada por esse processo protagonizado por poderosas máfias religiosas.
Faço essa introdução um tanto óbvia – ao falar de “pastores” e sem querer generalizar – para registrar um fato grave, ocorrido no ultimo dia 2 de setembro, no bairro do Sá Viana (comunidade do Jambeiro), na periferia da cidade de São Luís, a capital do Maranhão. Trata-se de um crime de racismo e intolerância religiosa.
Na ocasião, um homem chamado Leonardo, mais conhecido como Leo, invadiu e quebrou tudo dentro do Terreiro “Flor do Matão Deus é Quem Guia”, um espaço considerado sagrado, de característica comum no estado. É um Terreiro de Mina Caboclo misturado com Umbanda. Já o responsável pelo atentado estava com uma bíblia nas mãos, no momento em que cometeu os atos de violência. Enquanto destruía tudo, gritava “sai Satanás! Sai Satanás”.
O ataque se deu ao meio dia, algumas horas após o término do Festejo de São Raimundo Nonato, iniciado na véspera, e que todos os anos ocorre nesse mesmo Terreiro, que funciona no atual endereço há cerca de vinte anos. Lá também ocorre a festa para o Divino Espírito Santo e, entre os dias 10 a 21 de janeiro, o Festejo de São Sebastião.
O Pai de Santo Jorge Elias Matos, o Pai Jorge, de 58 anos, filho de Ogum, é quem comanda esse Terreiro. Muito abalado, chegou a passar mal quando tomou conhecimento da atrocidade. Ele afirmou que “a pessoa que destruiu a nossa casa disse que estava agindo em nome de Deus. Como? Não se pode usar o nome de Deus em vão!”.
Apuração dos fatos
Logo após o ocorrido, a Federação de Umbanda e Cultos Afros do Maranhão deu uma nota “repudiando o ato” e cobrando “apuração e punição dos responsáveis”, deixando claro que pretende acompanhar o caso. Um inquérito foi aberto e logo depois foi iniciada uma campanha de solidariedade, puxada pelo cantor e compositor Heriverto Nunes, para repor todos os santos e objetos destruídos pelo ataque.
Aumenta a intolerância religiosa
Esse caso que se passou no Maranhão é mais um dos muitos que ocorrem no Brasil. O racismo associado à intolerância religiosa vem crescendo de modo alarmante no país. Segundo dados da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, num período de cinco anos, as denúncias subiram de 15 registros em 2011 para 759 em 2016, de acordo com dados do Disque 100.
Em um episódio ocorrido no ano passado, no Rio de Janeiro, na Baixada Fluminense, a mãe-de-santo Carmem de Oxum destruiu estatuetas e objetos para não ser morta por um traficante que a ameaçava. O ato foi gravado e circulou em redes sociais, provocando perplexidade de muitos. No vídeo o agressor aparecia gritando “taca fogo em tudo! Quebra tudo! Que o sangue de Jesus tem poder”! Foi o próprio evangélico (traficante) que gravou e divulgou o vídeo.
Em 2017, entre os meses de agosto e setembro, ocorreu uma onda de ataques contra terreiros de Candomblé e Umbanda no Rio de Janeiro, na Baixada Fluminense, logo após o bispo evangélico Marcelo Crivella ser eleito prefeito da capital do Estado.
O problema é antigo e ao longo do tempo vem sendo renovado por novos atores sociais. Isso num país onde violência e a fé costumam caminhar juntas. Entre as atrocidades ao longo da história, a Igreja Católica deu aval para a própria escravidão no Brasil.
Mas hoje, se o Diabo – essa metáfora oriunda da tradição cristã, reconhecido socialmente como a representação do mal – resolvesse dar as caras por aqui, certamente ele iria aparecer vestido de terno e gravata, teria um discurso histriônico e traria uma bíblia nas mãos.
*Emilio Azevedo é do Jornal Vias de Fato (MA), da Agência Tambor e colaborador do Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC).
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