Em busca da terra sem mal e do bom proceder
por Júlio Carignano | Foto: Joka Madruga
Quem caminhar pelos quatro cantos do Paraná e jogar uma moeda ao alto pode ter certeza que ela caíra onde já foi um antigo “Tekoha”, terra sagrada para o Povo Guarani. Tekoha é uma composição linguística das palavras “teko” (modo de ser) e “há” (lugar) e a máxima acima, dita com certo exagero pelos ‘chamoé’ (rezadores), ajuda a visualizar parte da presença deste povo milenar no Paraná e sua influência no Estado com nomes de rios e cidades batizadas com palavras da cultura dos Avá-Guarani.
Passados 520 anos de contato com os “Juruá” (não-indígenas), o povo Guarani vai se reinventando diante dos ataques aos seus direitos e terras tradicionais. Hoje, as homenagens da semana alusiva ao Dia do Índio, contrastam com um cenário ameaçador e que apenas mascaram a realidade da maior etnia indígena do Brasil e a que seus direitos menos reconhecidos pelo Estado Brasileiro, em especial o direito à terra.
Para os Guarani, os Tekoha são terras tradicionais e, mais do que serem espaços para subsistência, é o espaço onde se produz toda a cultura de um povo, seu modo, o “teko”. Atualmente esse povo, que no Paraná, concentra-se em maior número no Oeste do Paraná, onde habitam cerca de 3,8 mil Guarani, vivem em espaços cada vez menores, sob o risco de despejos e liminares judiciais que lhes forçam a movimentos migratórios forçados em busca da “Terra sem mal”.
Um povo milenar que já passou por quatro hecatombes, parafraseando o professor e indigenista Paulo Porto, ao referir-se aos quatro episódios com o “povo branco” que impactaram profundamente o modo de vida do Povo Guarani; desde o primeiro contato em 1502 em Assunção, no Paraguai, durante a conquista espanhola; em 1600 a partir das reduções jesuíticas; na Guerra do Paraguai (a terceira tragédia); e durante a chamada “Revolução Verde” e o impacto da construção de Itaipu Binacional na tríplice fronteira.
Hoje as ameaças dizem respeito a ligação estreita dos últimos governos com setores do agronegócio, em especial a bancada ruralista, que tem colocado em risco direitos previstos na Constituição e até mesmo retrocessos no processo de terras já demarcadas; e a ameaça biológica da pandemia do Covid-19 que faz dos povos tradicionais uma das populações mais vulneráveis ao vírus.
Na lembrança das tragédias do passado e diante das atuais ameaças, das intempéries virais as formas de dominação moderna (econômica, cultura, educativa e religiosa), as comunidades indígenas seguem sendo resistência viva ao manter suas tradições, recriar estratégias de organização e luta nessa caminhada pela recuperação da terra perdida, em busca da terra sem mal.
Termino com uma frase do rezador Honório Benitez, numa frase que ouvi há cerca de 9 anos e nunca saiu de minhas lembranças “Os Juruá inventaram a cerca, a fazenda, a miséria e pobreza, tornando a vida má e errada. E isso atrapalha o bom proceder Guarani”.
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