Desigualdade ambulante: não é só no escritório que elas ganham menos
Além de faturar menos, mulheres camelôs têm três vezes mais chances de ter mercadoria apreendida do que homens no Rio
“É porque, com homem, os guardas têm medo de apanhar”, diz Nilma da Conceição, de 51 anos, para explicar o dado do relatório Camelôs: panorama das condições de trabalho de homens e mulheres no centro do Rio de Janeiro que afirma que mulheres têm mais mercadorias apreendidas que homens nas ruas do Centro da capital fluminense. Vendedora informal de controles remotos em uma banca, Nilma enfrenta todos os dias o machismo e o racismo da polícia militar e da guarda municipal carioca, que frequentemente impedem o trabalho desses profissionais de forma violenta. A vendedora conta a tristeza o prejuízo de já ter perdido todo o material de trabalho uma vez e as estratégias adotadas por ela para fugir dessas apreensões.
A taxa de mulheres empregadas no Brasil nunca chegou aos 60%, enquanto a participação masculina no mercado já alcançou os 85%, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). No Rio de Janeiro, o desemprego da população feminina empurra para o trabalho informal milhares de mulheres, muitas vezes únicas provedoras de renda da família. Nilma ajuda no sustento dos netos depois de ter perdido o filho para a violência do tráfico no Complexo da Pedreira, na Zona Norte da cidade, onde ela mora. Assim como quase metade das brasileiras em idade ativa, Nilma está fora do mercado de trabalho e depende do trabalho informal para sobreviver.
A vendedora demora cerca de uma hora de metrô até chegar no local de trabalho, a rua Buenos Aires, perto da Estação Uruguaiana. Conhecida pelo grande movimento e comércio informal, a rua mostra no seu um quilômetro e meio de cumprimento a realidade revelada da pesquisa: Nilma é a única mulher camelô da via. Ela explica que, nos 33 anos de experiência como ambulante, ela é sempre uma das poucas mulheres nesses espaços. “Nessa rua inteira aqui, só tem eu de mulher; sempre foi assim. Eu chego aqui às 10h e saio às 19h, eu passo mais tempo com eles do que com o meu marido”, conta Nilma, que vende controles de tv, mangueiras de água e segundo ela, qualquer produto que estiver na “boca do povo”.
A comerciante explica que, para conseguir pagar as contas e sustentar a casa, ela estabelece metas diárias: de segunda a sexta ela trabalha no Centro e aos domingos ela monta a banca na Feira de Acari, perto de casa. “Eu tenho que fazer R$ 150 por dia para voltar bem para casa. Tem dia que o movimento não está tão bom, aí a meta fica R$ 120”, explica Nilma, que está entre os 23% de mulheres camelôs – que trabalham no Centro do Rio – com renda média acima de R$ 500 por semana. Apesar de Nilma fazer parte de uma pequena parcela que recebe o valor, a pesquisa revela que nenhuma das entrevistadas ganhavam mais que mil reais por semana, ao contrário do resultado dos homens, que mostra que ao menos 10% dos participantes recebiam mais de mil reais.
O estudo revela ainda um outro dado que evidencia a desigualdade de gênero, que é tão falado dentro de escritórios, mas que também ocorre nas ruas: enquanto 66,3% dos homens entrevistados afirma receber até R$ 500,00 por semana, o percentual de mulheres nesta faixa é bem superior, alcançando 76,6% das camelôs. Além da remuneração financeira ser maior, os homens, segundo a pesquisa, ainda têm maior disponibilidade de atuar nas ruas, visto que as responsabilidades do cuidado dos filhos e do lar recaem, socialmente, sobre as mulheres. A pesquisa mostra que 11% dos homens afirmaram trabalhar sete dias por semana, enquanto que apenas 2% das mulheres trabalha a mesma quantidade de dias.
Em um recorte racial, a desigualdade assusta ainda mais: em 2017, trabalhadoras brancas faturaram uma média de 72,5% a mais do que profissionais pretas ou pardas. O racismo está presente também na quantidade de mulheres que têm o comércio informal como única saída: 46,9% da população preta ou parda estava na informalidade; entre brancas são 33,7%. Os dados referentes à renda salarial têm um impacto direto no sustento das famílias. Nos domicílios chefiados por mulheres brancas, a renda per capita média, segundo o levantamento do Ipea, é 89,2% maior do que a renda per capita média nos domicílios chefiados por mulheres negras, como Nilma.
Terceiro Estado brasileiro com maior população ambulante do Brasil, o Rio de Janeiro tem cerca de 144 mil pessoas inseridas nesse mercado atualmente; só na capital, segundo dados da coordenação de Licenciamento e Fiscalização da prefeitura do Rio, são 70 mil. Em um contexto de desemprego e crise econômica que o país enfrenta, as autoridades têm diminuído a repressão contra esse trabalhadores e incentivado programas como o Programa Ambulante Legal, que estimula e ajuda o ambulante a se tornar um profissional legalizado. Entretanto, o incentivo somente alcançou, segundo a prefeitura, 31 dos 160 bairros cariocas até agora. Além disso, o número de mulheres que possuem a autorização para vender suas mercadorias nas ruas, ou seja, que que pagam a chamada Taxa de Uso de Área Pública (TUAP), é 41,6% menor que o número de homens.
Nilma é uma dessas mulheres, que trabalha sem qualquer registro. Há 33 anos trabalhando como vendedora ambulante, ela nunca exerceu a profissão de forma legal e não possui qualquer tipo de licença para trabalhar. Também não tem registro na Previdência, como a maioria das mulheres que trabalha como camelô. Ela afirma que, apesar do incentivo recente das autoridades fluminenses nos processos de legalização, ainda há muita burocracia, além de serem cobradas altas taxas de manutenção do status.
Fonte: Colabora
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