Crônica | Alvará de soltura de Lula é emitido, se por outro motivo não estiver preso
[Por Paula Zarth Padilha – Terra Sem Males] Pouco depois das 12h de domingo, 8 de julho, um alvoroço teve início nos grupos de whatsapp. Primeiro com a distribuição de link de notícia da colunista Mônica Bergamo, da Folha de S.Paulo. Em seguida, advogados já disponibilizavam arquivos PDFs do despacho emitido cedinho, às 9h, em que o desembargador federal Rogério Favreto, do TRF 4, publicou o deferimento de liminar em habeas corpus a favor do presidente Lula, “para suspender a execução provisória da pena para conceder a liberdade ao paciente LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA, se por outro motivo não estiver preso“.
O Alvará de Soltura foi emitido diretamente pelo Tribunal, “a fim de garantir a melhor eficácia na execução da presente ordem, evitando demasiada circulação interna pelos órgãos judiciais e risco de conhecimento externo antes do seu cumprimento, o que pode ensejar agitação e clamor público pela representatividade do paciente como Ex-Presidente da República e pessoa pública de elevada notoriedade social”.
Com o alvará de soltura, os advogados do presidente, e também parlamentares do partido, Paulo Teixeira, Wadih Damous e Paulo Pimenta, chegaram antes do clamor popular na sede da Polícia Federal, em Curitiba, onde Lula é mantido preso há 92 dias, mas a demasiada circulação interna pelos órgãos judiciais começou a partir desse momento, é o que parece. E logo o clamor popular tomou força e milhares de manifestantes a favor da soltura do ex-presidente passaram o domingo à tarde na Vigília Lula Livre, na Praça Olga Benário, atrás do cordão de isolamento do prédio da PF.
Cheguei perto das 14h, com a multidão ainda em formação, com um clima festivo, pessoas sorridentes, otimistas, ao som da sanfona e de Luiz Gonzaga para celebrar a iminente soltura do presidente Lula. Se por outro motivo não estiver preso. Lideranças nacionais que cotidianamente se revezam para manter a vigília fortalecida ao longo desses três meses, representações nacionais do partido, as mulheres parlamentares, ninguém tinha tido tempo de chegar a Curitiba. Mas a população estava chegando, os acampados, o pessoal das caravanas, e logo foi se formando o mesmo ambiente coletivo que era perceptível nos primeiros dias de resistência, ainda em abril, quando a vigília era acampamento nas ruas e era almoço coletivo, com atividades culturais, barracas militantes, tenda de comunicação, apoiadores decididos a ficar. O despejo das ruas foi forçado pela Prefeitura e nesses últimos dois meses a única garantia ainda é o direito à livre manifestação, com a manutenção de bons dias, boas tardes, boas noites, atividades de formação, rodas de conversa e algumas atividades culturais, mas num ambiente cercado, cheio de hostilidade e com hora certa para começar e para terminar.
O desembargador Rogerio Favretto, que decidiu pela soltura de Lula em regime de plantão, considerou em seu despacho liminar o estabelecimento de novos fatores, como a impossibilidade de Lula ter a mesma visibilidade que os demais pré-candidatos à Presidência da República, por estar impossibilitado de participar de entrevistas, exposições como os demais. Aliado a isso, o desembargador considerou o direito constitucional da presunção da inocência e do trânsito em julgado. E como terceiro fator, de estar cumprindo pena em local distante de sua residência, de seus familiares e relações sociais.
Diante da expectativa do alvará de soltura, os curitibanos apoiadores da causa #LulaLivre foram para as ruas do bairro Santa Cândida. E, aos poucos, foram também outros brasileiros para a frente do STF, em Brasília, para as ruas do Rio de Janeiro, de São Paulo, de Belo Horizonte. E para concentrações de onde mais pudesse ter mobilização popular espalhada pelo Brasil.
A liminar no habeas corpus e o alvará de soltura no TRF da 4ª região deram origem a uma série de outros cinco despachos na domingueira: para além das informações divulgadas sobre férias ou não, recesso judiciário ou não, hierarquia ou quebra dela, ou das mais diversas interpretações da lei que estão sendo utilizadas (de forma inédita) para o presidente Lula, foram publicadas outras cinco decisões reverberando o alvará de soltura (que foi devidamente segurado no quesito “cumprimento imediato”).
O juiz Sergio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba, se manifestou sem ser citado, publicando um despacho no processo de origem, a ação penal da Lava Jato. Nesse despacho ele fez uma retomada sobre o julgamento de Lula e dizendo que “O Desembargador Federal plantonista, com todo o respeito, é autoridade absolutamente incompetente para sobrepor-se à decisão do Colegiado da 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região e ainda do Plenário do Supremo Tribunal Federal”, ameaçando quem cumprisse o alvará de soltura dizendo que se “a autoridade policial cumprir a decisão da autoridade absolutamente incompetente, estará, concomitantemente, descumprindo a ordem de prisão”. Manifestando dessa forma, Moro acionou o presidente da 8º Turma, desembargador João Pedro Gebran Neto.
O desembargador Favreto publicou outro despacho, reiterando sua decisão de cumprimento do regime de liberdade de Lula “com urgência”, salientando que a autoridade policial tinha conhecimento “desde cedo”. Em seguida, Gebran determinou que a Polícia Federal “se abstenha de praticar qualquer ato que modifique a decisão colegiada da 8ª turma”, referindo-se à decisão sobre a prisão.
No momento em que outra decisão de Favreto foi divulgada, eu não estava mais na Vigília, e sim na outra quadra em volta da Polícia Federal, junto ao cordão de isolamento dos jornalistas, e soube que às 16h12 iniciaria o prazo de uma hora para que Lula fosse colocado em liberdade. Fiquei esse tempo olhando para o portão da PF. Até 17h12. Até 18h. E nada acontecia, além da incerteza de como o domingo acabaria por ali, para os colegas de imprensa, mas fui para o outro lado, ver a multidão da vigília, que só aumentava, e aumentou nos demais locais do país com mobilização pelo cumprimento do alvará de soltura. Se Lula por outro motivo não estiver preso.
Às 19h30 foi publicada e disponibilizada decisão do presidente do TRF, desembargador Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, provocado por pedido de suspensão de liminar pelo Ministério Público Federal, protocolado também no domingo. Ele reafirmou o que Moro e Gebran despacharam sobre o desembargador Favreto ter incompetência para uma liminar em habeas corpus, por estar em regime de plantão no tribunal. O presidente do Tribunal determinou que o processo retornasse ao relator e a manutenção da decisão, pelo não cumprimento da liberdade e do alvará de soltura.
E por outro motivo Lula permanece preso.
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