Bancada ruralista arma mais uma ofensiva contra povos tradicionais
[Lilian Campelo – Brasil de Fato | Belém (PA)] A bancada ruralista mais uma vez ataca os direitos dos povos e comunidades tracionais. Na semana passada, os presidentes da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) emitiram um ofício ao presidente Michel Temer (MDB) para pedir a revogação do Decreto nº 6.040, que instituiu a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (PNPCT).
Publicado em 2007 pelo governo Lula, o decreto fez com que pela primeira vez o Brasil reconhecesse a diversidade étnica de povos e comunidades tradicionais. Maria de Jesus Bringelo, conhecida como Dona Dijé, é uma das fundadoras do Movimento Interestadual de Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB) e afirma que o Decreto, construído em conjunto com a sociedade civil, representa uma conquista histórica dos movimentos populares e das comunidades tradicionais.
“Os nossos territórios são aonde a gente quer ficar. Eu costumo dizer que a gente tem o direito de nascer, viver, parir e morrer nos nossos territórios. A gente não quer sair de lá porque é lá que a gente tem vida digna”.
Para a líder quilombola do Maranhão a única saída é continuar resistindo: “a gente não aceita, vamos resistir como resistimos a esses anos todos, nós não aceitamos que os nossos direitos sejam tomados”.
Alfredo Wagner, doutor em Antropologia Social, destaca que as populações tradicionais ocupam terras e desenvolvem suas atividades de forma autônoma, diferente do agronegócio “que tem suas dívidas sempre anistiadas pelo Estado, atividades econômicas de fundo perdido”.
“Já os indígenas, quilombolas, os peconheiros, os piaçabeiros, são atividades árduas o tempo todo, que tem mantido esse país pelo menos nesses 500 anos de ocupação e agora o reconhecimento jurídico deles não é simplesmente pra ser removido pelo contrário, deve ser ampliado”.
O pesquisador é referência sobre os estudos de povos e populações tradicionais e lembra que essa visão moderna que o setor propaga máscara violações aos direitos de trabalhadores encontrados em situação análogas à escravidão e contribui com a alta concentração fundiária, problema social que gera violência e conflitos no campo e aponta que é necessário “refletir sobre esse modelo colonial” posto pelo agronegócio por meio da bancada ruralista.
Terras da União?
No documento, datado no dia 14 de agosto, os ruralistas criticam o conceito de povos e territórios tradicionais, alegam gerar margens para dúvidas e “estimulam e culminam em atos que afrontam a ordem e a segurança, além de violarem a garantia constitucional de proteção à propriedade privada”.
O argumento é peça para solicitarem, além da revogação, a suspensão de processos demarcatórios, e citam, como exemplo, os processos de demarcação de terras pela Secretaria de Patrimônio da União (SPU) nas margens do rio São Francisco, em Minas Gerais.
A conselheira Cláudia Pinho, do Conselho Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais (CNPCT), explica que as demarcações realizadas pela SPU feitas através da emissão do Termo de Autorização de Uso (TAUS) são dadas mediante estudos e em “territórios que estão nas terras da União”, e lança uma dúvida.
“Então o que a bancada ruralista alega a essa segurança em relação a propriedade privada vem totalmente equivocada porque o TAUS é emitido em terras da União. Então essas terras ditas particulares estão em terras da União? É uma pergunta que a gente faz desde que tomamos conhecimento”.
Reconhecimento
Pinho pertence a comunidade Pantaneira Lagoa de Pedra no Pantanal (MT) e a anulação também significa a extinção de outras políticas públicas. “Esse decreto criou raízes, existe muitas políticas públicas ligadas a ele, e nós estamos no caminho da defesa da nossa identidade e dos nossos territórios”.
Conforme analisa Pedro Martins, assessor jurídico na ONG Terra de Direitos, a revogação é mais uma estratégia do agronegócio para tentar eliminar os modos de vida dessas populações, um avanço significativo garantido na esfera judicial.
“[O decreto 6.040,] Ele representa uma conquista muito grande para um segmento da população muito importante, são mais de cinco milhões de cidadãos brasileiros que são de comunidades tradicionais e que conseguiram com esse decreto a garantia, no campo jurídico, dos territórios tradicionais, do que significa território tradicional” afirma.
Na avaliação de Martins a ação dos ruralistas é uma retaliação à vitória das comunidades quilombolas sobre o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3239, que questionava o Decreto 4.887/2003, que regulamenta o processo de demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos.
De acordo com o decreto, povos e comunidades tradicionais “são grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição”.
Essas populações abrangem uma diversidade de grupos como ribeirinhos, pantaneiros, comunidade de “fundo de pasto”, geraizeiros (habitantes do sertão), caiçaras (pescadores do mar), seringueiros, castanheiros, quebradeiras de coco de babaçu e extrativistas, dentre outros.
Edição: Diego Sartorato
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