Ameaça à saúde evidencia problemas negligenciados há décadas na Maré
Jornalista comunitária mareense analisa os impedimentos para o morador de favela fazer isolamento social
Por Amanda Soares com supervisão de Cláudia Santiago
Diana (23) é jovem, estuda, tem água potável em casa e saneamento básico. Tem um
probleminha de rinite alérgica, que pra ela não incomoda muito. Mesmo estando fora do
grupo de risco do Covid 19 (o novo Corona vírus, que até o fechamento desta matéria já
contaminou mais de três mil e quinhentas pessoas), ela está em casa, fazendo isolamento
voluntário.
Ela e a mãe, 49 anos, professora da rede pública, estão em casa há oito dias.
Só o pai continua trabalhando todos os dias. A transportadora onde ele é despachante,
dispensou apenas os funcionários com mais de 60 anos, e ele tem 53. Mas por conta de
uma gripe, tem tomado vários cuidados e ficado distante da filha. “Ele e minha mãe dormem
no mesmo quarto, e ela se expõe, mas não tem muito o que fazer”.
A família mareense tem tomado os cuidados aconselhados pelo Ministério e Secretaria de
Saúde, e a internet e a televisão têm sido ferramentas importantes contra o ócio e o tédio.
Mas segundo a estudante de jornalismo, pouca gente vai conseguir fazer o mesmo no
bairro. Mesmo os vizinhos próximos.
Problemas complexos
O complexo é formado por 16 favelas, com quase 140 mil habitantes (Censo Maré 2019).
Apenas uma UPA atende toda essa gente, e fica na Vila do João. Os postos de saúde
foram transformados em Clínica da Família. Seus moradores acabaram de se recuperar da
crise na qualidade da água, causada pela bactéria geosmina, que contaminou o rio Guandu,
que abastece o Rio de Janeiro. A família de Diana possui filtro para poder, pelo menos,
beber água limpa. Durante a fase difícil, tiveram de gastar mais para também poder
cozinhar. Só muito recentemente a situação melhorou, segundo a jovem moradora. Mas tão
logo essa crise passou, e logo chegou o perigo com a pandemia de Covid 19, e a
necessidade de um fornecimento eficaz de água para garantir a higiene básica.
Diana observa que a falta de saneamento básico e a condição de moradia precária
associados a falta de emprego estável vai dificultar o isolamento social para boa parte dos
moradores. Ela faz parte da equipe do jornal O Cidadão faz sua parte, divulgando
informações sobre a doença, suas consequências e como se prevenir. Mas observa que por
mais que a Comunicação divulgue, a informação não chega para muitas pessoas. “O
melhor seria o contato direto, partindo de pessoas da área da saúde, pra conscientização,
pois muitos [moradores] não têm internet em casa”.
Há também uma falsa sensação de segurança, que pode ser perigosa: “O que eu vejo na
rua são as pessoa que costumam circular na favela. A vida deles é aqui – não trabalham
nem estudam fora -, então elas não acreditam que vão pegar, por que estão dentro desse
território”. Ela dá um exemplo que tem em casa: “meu avô (80) adora bater perna, vai em
tudo que é lugar a pé. Pedimos pra ele ficar em casa, pedir que a gente faça as compras
dele se ele quiser”.
Ela ainda considera a diferença social que pode tornar o isolamento e a quarentena um
martírio: “Como vão ficar em casa se nem saneamento básico têm? Não tem internet, não
tem tv, ventilador… Aí vai ficar dentro de casa no mormaço, cheio de criança em volta… É
meio complicado você exigir que essas pessoas se isolem assim”, considera.
O acúmulo de problemas, citados por Diana (desemprego associado a racismo no mercado
de trabalho e pouco estudo, falta d’água e saneamento), ficam evidenciado em momentos
de crise como este, e deixa as pessoas ficam mais expostas. “É preciso uma equipe de
professores, de pessoas da saúde, pra tentar entender como eles vão passar essa
quarentena: será que eles vão ficar em casa? Por que eles não vão ficar? É uma
problemática que vem já no Brasil há muito tempo, e existe dentro da favela”.