Agricultores do Sudoeste do Paraná cobram regularização fundiária em audiência pública
Famílias acampadas realizaram uma marcha no centro de Clevelândia e doaram mais de uma tonelada de alimentos à população urbana
Mais de 130 famílias acampadas no Sudoeste do Paraná vivem dias de angústia pela ameaça de serem despejados das áreas onde vivem e produzem. Os agricultores e agricultoras ocupam sete áreas, seis da Massa Falida da Empresa Olvepar e um da madeireira Campos de Palmas, alvos de disputa judicial por dívidas trabalhistas e com credores, de impostos com o Estado e com a União, além de débitos em multas aplicadas por órgãos ambientais, no caso da madeireira.
A regularização fundiária das comunidades foi tema de uma audiência pública realizada nesta sexta-feira (17), no município de Clevelândia, organizada pela Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa (Alep). As ocupações estão localizadas nos municípios de Clevelândia, Palmas, Honório Serpa e Mangueirinha.
Quatro ocupações receberam mandado de reintegração de posse em abril de 2019, expedido pelo juiz Gabriel Ribeiro de Souza Lima, da Vara Cível de Clevelândia. A área localizada em Mangueirinha recebeu a última ordem de despejo em 13 de maio deste ano. Com a decisão, as demais comunidades sentiram-se ameaçadas por possíveis novas decisões judiciais favoráveis às empresas.
O pavilhão do Centro Pastoral da Paróquia Nossa Senhora da Luz ficou lotado com cerca de 500 homens, mulheres e crianças que participaram do evento – maioria veio das comunidades ameaçadas de despejo. Também estavam presentes integrantes de entidades sindicais e sociais, e moradores de outras comunidades rurais da região, solidários às famílias acampadas, além de secretários municipais e vereadores. A mesa da audiência teve na coordenação o presidente da Comissão da Alep, deputado Tadeu Veneri (PT).
O Padre Ozanilton Batista de Abreu representou a Diocese de Palmas e de Francisco Beltrão, concedeu bençãos na abertura e no encerramento da audiência: “Nessa luta, vocês sempre precisam acreditar que vai dar certo. Vamos acreditar, lutar, sonhar e conseguir”.
Bruna Zimpel, integrante da direção estadual do MST, enfatizou para as autoridades presentes o esforço da cada família acampada em conseguir melhores condições de vida, para trabalhar e ter condições de vida mais dignas: “As famílias vêm construindo as suas casas, se estruturando, produzindo alimentos. A nossa luta pela terra é uma luta justa, e a reforma agrária é uma questão de direito e não de polícia”.
A agricultora Lourdes Belusso mora há sete anos no acampamento Terra Livre, em Clevelândia, e lá produz feijão, arroz, milho, legumes, verduras e animais que garantem alimentação na mesa: “Nós plantamos produtos pra gente mesmo comer. Nós plantamos e estamos lá porque precisamos de um pedaço de terra para sustentar nossas famílias. Tem gente da comunidade que está sustentando sua família com os produtos que está plantando”, relata.
As famílias acampadas em Clevelândia integram a Cooperativa Camponesa Coocamp, que na última semana assinou um contrato com a Secretaria de Educação do Paraná para entrega alimentos para a merenda escolar aos oito colégios do município.
Como servidor da Emater, Paulo Araújo atuou em projetos de apoio técnico à agricultura familiar nas comunidades, 12 deles ainda em vigência. Ele reforçou o papel da agricultura familiar na alimentação da população brasileira, responsável pela produção de 70% do consumo nacional. Por acompanhar de perto o desenvolvimento da produção dos acampados, o técnico se mostrou preocupado com o futuro das famílias, caso a reintegração de posse fosse efetivadas. De produtores de alimentos, passariam apenas a consumidores. “Só quem já passou um pouco de fome sabe o quanto é importante o agricultor estar produzindo leite, arroz, feijão batata, enfim, os alimentos do dia a dia”.
O Incra recebeu críticas de prefeitos, por não atender as demandas reais para a efetivação da reforma agrária para as comunidades, algumas ocupadas há 15 anos. Em março de 2016, o INCRA formalizou pedido de compra e venda de áreas ocupadas na região. No entanto, o processo de regulação para criar os assentamentos não se concretizou.
Pollyanna Queiroz, secretária executiva da Superintendência Geral de Diálogo e Interação Social do Governo do Estado, participou do debate representando Mauro Rockembach, secretário da pasta, garantiu que o Governo Estadual vai buscar uma solução “que seja favorável para todos os lados”. A Superintendência está vinculada diretamente ao gabinete do governador Ratinho Junior.
Também compuseram a mesa de autoridades Luciana Rafagnin (PT), deputada estadual e presidente do bloco da agricultura familiar; Zeca Dirceu (PT), deputado federal; Ademir Gheller, prefeito de Clevelândia; Cesar Daneluz, o vice-prefeito de Clevelândia; Cezar Pacheco Baptista, vice-prefeito de Palmas; Luciano Dias, prefeito de Honório Serpa; Leandro Dorine, vice-prefeito de Mangueirinha; Pedro Moreira, vice-prefeito de Honório Serpa.
Marcha e doação de alimentos
Das sete ocupações ameaçadas de despejo, quatro integram o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST): Mãe dos Pobres 2 e Terra Livre, do município de Clevelândia, Sete Povos das Missões, de Honório Serpa, União Pela Terra, de Mangueirinha.
As famílias do MST realizaram uma marcha pelo centro do município de Clevelândia, com cartazes e faixas com a reivindicação da reforma agrária, moradia, trabalho e justiça.
Os agricultores trouxeram cerca de uma tonelada e meia de alimentos orgânicos para distribuir à população urbana, como forma de mostrar a produtividade dos acampamentos. A maior parte do alimento foi doado para a Apae Escola Clevelândia, do bairro Aeroporto. A instituição tem 31 anos e atende 87 educandos, com idades entre zero e 61 anos. Cada um dos participantes da mesa da audiência também recebeu uma caixa com a produção dos acampamentos.
Resultados
Como resultados da audiência, a Comissão de Direitos Humanos se responsabilizou por questionar, na Fazenda Federal e Estadual, o volume e a natureza das dívidas da Olvepar. O relatório do debate também será encaminhado a órgãos públicos relacionados aos casos, como Incra, Ministério Público, Judiciário, Defensoria Pública e para os juízes de Clevelândia e Palmas. As Câmaras de Vereadores dos municípios onde estão localizadas as ocupações foram convidadas a enviar uma moção aos juízes dos casos, manifestando apoio às famílias acampadas.
O deputado Tadeu Veneri se comprometeu em voltar para dar retorno sobre os encaminhamentos. “Existe a lei e existe a justiça, mas quando não tem justiça, não lei. Precisamos que seja feito o que é justo. Para isso, precisamos fazer um grande diálogo”, garantiu o parlamentar.
Por Ednubia Ghisi e Kelen Alves
Setor de Comunicação e Cultura do MST-PR
Foto: Welligton Lenon
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